Maroon 5 levita na fronteira entre o pop confesso e o rock libertário
Adam Levine passou boa parte de seus 20 anos de carreira, contados a partir do lançamento de Songs About Jane, respondendo que não, o Maroon 5 não se trata de uma boy band. E ele tem razão. Uma boy band investe em coreografias, não tem líderes, não coloca instrumentos nas mãos de seus integrantes, explora rostos bonitos e investe em um projeto musical de risco zero, com grandes músicos por trás de cada instrumento para criar canções de absorção imediata que os roqueiros amam odiar e chamam, com todo o peso da ira, de “pop”, e as crianças amam amar e chamam, com toda a graça, de “pop”.
“O que fazia de uma boy band uma boy band era que eles não tocavam nenhum instrumento e coreografavam seus movimentos de dança. Se você não fizer isso, você não é uma boy band”, disse Levine à Billboard, em 2010. É curioso que, com seus 30 milhões de álbuns vendidos ou o equivalente a isso nas plataformas musicais alimentando fãs de duas ou três faixas etárias ainda capazes de lotar a pista e os três anéis do Allianz Parque, como fizeram nesta terça, 5, depois de uma abertura feita pelo cantor Jão, Levine trate do assunto com tanta sensibilidade. Ele não precisa mais explicar o que é o Maroon 5. Basta subir ao palco e fazer, para o bem e para o mal, o que fez nas quase duas horas de show.
Levine e o Maroon 5 é um caso único de confusão nos códigos de algo que os jornalistas amam chamar, com algum eufemismo maldoso, de “pop rock”. Eles se colocaram em um lugar difícil de se equilibrar por tanto tempo e de onde muitos caíram, exatamente na fronteira em que de um lado a outro respingam rebeldia e doçura, raiva e ternura, explosão e calmaria. Do rock, desafiam a hegemonia da revolta cenográfica. Suas músicas e suas posturas no palco nunca trazem esse ingrediente. Ao pop, negam ser aquilo que Adam Levine passou a vida negando e cobrindo o corpo de tatuagens para reforçar: “Não, nós não somos uma boy band.” São, no máximo, uma “boy rock band”.
Mas há um traço criativo de Levine que o afasta de qualquer relevância. Ele pensa em quem vai ouvi-lo talvez até demais e só quer que sua música funcione. Mas, apesar de fazer tudo na superfície das primeiras ideias, sua força viral é capaz de ativar o senso rítmico até de quem só está no show para ver um neto feliz. Moves Like Jagger, de 2011, é seu primeiro e surpreendente ato, e abrir um show com tanta força não enfraquece o que vem depois, porque o depois tem This Love, Stereo Hearts, One More Night, Animals, What Lovers Do e outras canções que estiveram pelos ares como o oxigênio – e você sempre vai respirar, basta estar vivo – nos últimos anos. Ao lado do guitarrista James Valentine, Levine caminha pela passarela que avança sobre a pista até o limite, senta-se e canta, diante das luzes de celulares, uma bonita versão acústica de She Will Be Loved. Depois de criar o clima, volta ao centro do palco e fecha a noite com Sugar.
Sua banda, com bons músicos que não podem ser bons demais, sabe o que deve fazer. Não há espaço para improvisos ou solos. Além de Valentine, o baixista Mickey Madden e o baterista Matt Flynn são figuras notórias por conseguirem não ser notados. PJ Morton é um luxo de tecladista, que concorreu ao Grammy 2022 de melhor performance de R&B tradicional por sua colaboração na clássica Bring It Home To Me. Adam Levine sola sua guitarra duas ou três vezes com um repertório de frases básico e canta seus falsetes com alguma fragilidade. Mas, a seu favor, ele tem razão quando diz que ninguém saca as fontes de suas inspirações. Moves Like Jagger é disco music pura e Sunday Morning é apenas outra de suas investigações pela soul music real. A guitarra funky de James Valentine é mais difícil de se tocar do que parece e virou um coração pulsante de quase tudo o que Levine faz. O lugar em que o Maroon 5 escolheu para existir não é o dos heróis, mas eles estão felizes e não parecem querer mudar uma vírgula disso.