• Maria Rita: ‘Eu não sou fofa, ser cool seria uma mentira’

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  • 19/08/2022 08:30
    Por Julio Maria / Estadão

    Existem sambistas e existem cantoras de samba. Sambistas nascem no samba. Suas gingas trazem não uma canção a mais, mas um jeito de viver, e o samba, para elas, significa salvação. Cantoras de samba, não. Elas são intérpretes e passeiam por um mundo que não é exatamente seu, mas no qual se sentem à vontade para expor suas outras vozes. Clara Nunes era sambista, Elis Regina, não. Dona Ivone Lara era sambista, Nara Leão, não. Elza Soares era sambista, Alaíde Costa nunca quis ser, e Beth Carvalho se tornou rainha de tudo só depois de se converter. Maria Rita não é sambista – e isso tem sido definitivo no descomunal avanço de sua voz no território dos sambas.

    Sem seguir códigos de cantos mais abertos e extravasados – sambistas em geral, por carga histórica, exaltam, e a exaltação nunca é contida -, Maria busca em seus escuros da alma, onde a tristeza se redime, um conjunto de cantos sutis, exuberante e libertador. Uma liberdade a si, que não tem medo do samba, e ao samba, que a recebe bem.

    Maria Rita, de 44 anos, volta a marcar território no gênero. Desse Jeito é um EP com seis músicas assinadas por nomes de tarimba como Xande de Pilares, Magnu Sousá e Pretinho da Serrinha, sendo duas delas, pela primeira vez, feitas com colaboração da cantora. Mas é de sua voz que sai o assombro: Maria Rita vem com uma flexibilidade vocal impressionante.

    Há uma ideia de que todo mundo corre pro samba porque o samba sempre dá certo. É isso?

    Todo mundo corre pro samba, mas quem fica? Quem é que segue lá, firme, na palma da mão? Samba pode ser uma grande mãe, mas se você não o tratar bem, ele te coloca para fora. Quando dizem que fui para o samba por oportunismo, eu pergunto: ‘Mas quem está milionário no samba?’ Quem está viajando de jatinho?’.

    Você passou a frequentar os terreiros de candomblé. Como está sendo?

    Eu sentia falta de uma estrutura de fé. Tinha fé, mas sentia falta de algo mais estruturado, e os orixás já passeavam por minha vida. Há também um pouco de fuga nisso. Em um terreiro eu não sou ninguém, as pessoas me tratam no extremo oposto do que costumam tratar uma diva. Ali, posso descansar da Maria Rita varrendo o quintal, lavando louça, cozinhando. E eles percebem que estou desarmada. Ontem mesmo estava falando com uma menina de 18 anos que estava me ensinando coisas da religião. Há lições de amor, de respeito, de trato com a natureza que são grandiosas. Eu trago a vontade e a responsabilidade de defender essa religião como se ela fosse um filho.

    Maria, seu disco de sambas é pop, mas as pessoas não a queriam cool?

    Há 20 anos, quando fiz o primeiro disco, havia uma necessidade de me proteger do mundo, e a gravadora se aproveitou disso. Eu até poderia aproveitar aquela aura cool que criaram para mim, com baixo acústico e aquela sonoridade toda, mas ela não reflete a minha realidade hoje. E eu não consigo mentir, não consigo ser uma parada que eu não sou. É algo muito violento para mim. Eu sou tudo, menos cool. Nunca fui aquela menina fofinha.

    Você não gosta do seu primeiro disco?

    Gosto. Claro, não tenho como não lembrar de uma série de coisas da minha vida pessoal naquele instante, mas gosto. Eu já tentei ter raiva daquele disco, mas não consegui. E canto Cara Valente até hoje.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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