Marco temporal: STF pode apresentar anteprojeto de lei ao Congresso sobre áreas indígenas
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode, ao fim da mesa de conciliação que busca um acordo sobre a Lei do Marco Temporal, apresentar um anteprojeto de lei ao Congresso sobre o tema. As audiências da mesa conciliatória iniciaram em 5 de agosto e se estendem até 18 de dezembro. Uma eventual proposta de anteprojeto pelo colegiado de conciliação exigiria a validação pelo plenário da Suprema Corte para então posterior encaminhamento ao Congresso.
O marco temporal estabelece que só devem ser demarcadas áreas ocupadas por indígenas até outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
“O ministro Gilmar Mendes (relator das ações que questionam a lei no STF) acredita que a solução tem de vir por lei. A ideia do ministro é uma nova lei. Por que não pegar o que o presidente da República indicou como inconstitucional e contemplar em um anteprojeto de lei?”, propôs o juiz auxiliar do gabinete de Gilmar Mendes, Diego Veras, que conduz a conciliação, durante audiência na quarta-feira, 2.
Entre os artigos vetados pelo Palácio do Planalto e posteriormente rejeitados pelo Congresso Nacional, estão os pontos que tratam a respeito da participação dos Estados e municípios no processo de demarcação desde o início do processo administrativo e assegura aos interessados na área, incluindo os proprietários das terras, o contraditório e ampla defesa e obrigatória intimação desde o início do procedimento. Os artigos foram vetados pelo Planalto com a justificativa de contrariedade ao interesse público.
A discussão sobre o momento de notificação ao proprietário quanto à sua área estar em estudo para demarcação tem interpretações controversas entre a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e representantes dos proprietários das áreas a serem demarcadas. Proprietários das áreas defendem a intimação desde o início do estudo para demarcação, assim que a área for reivindicada pelos povos indígenas. Eles alegam que a notificação apenas ao fim do processo impossibilita a colaboração com coletas de dados.
Já a Funai argumenta que uma notificação ainda com estudo em andamento poderia influenciar e gerar morosidade ao processo. A Funai alegou também que proprietários de terra, muitas vezes, se negam a receber a intimação sobre os estudos de demarcação da área, o que faria com que a sua obrigatoriedade travasse o processo.
A ideia do STF é que a proposta a ser apresentada pela mesa conciliatória estabeleça uma regulamentação com definição de datas e procedimentos quanto à intimação e até mesmo o momento da indenização dos proprietários. “A ideia é otimizar isso sem que se desrespeitem os direitos. Talvez possamos facilitar a intimação de forma que não impossibilite o andamento do processo mas assegure a ciência do processo pelo envolvido”, citou Veras. “Uma das causas da judicialização dos processos demarcatórios é a ausência de participação do cidadão”, observou. O juiz citou como possibilidade a ser avaliada pela mesa conciliatória uma proposta de conceder o direito ao acesso ao estudo pelo proprietário da terra, mas com a imposição de que ele não ingresse judicialmente até o fim do processo de análise.
Representantes dos municípios também defenderam a participação das cidades desde o início do estudo de demarcação de áreas como princípio do federalismo.
O Supremo Tribunal Federal avalia ainda a possibilidade de adoção de pagamento por serviços ambientais (PSA) pela preservação de florestas em terras indígenas. A proposta foi levantada durante audiência da mesa de conciliação. O PSA foi tratado na audiência como uma das formas de materializar o recebimento por serviços ambientais prestados. “O PSA e o crédito de carbono representam recursos financeiros que poderão beneficiar a população indígena pelos serviços ambientais prestados. O PSA foi regulamentado pela lei 14.119/2021 e tem iniciativas em desenvolvimento com produtores já beneficiados com recursos financeiros”, afirmou o advogado Flávio Roberto dos Santos, representando o Sindicato Rural de Porto Seguro, que apresentou a proposta.
O juiz auxiliar do gabinete de Gilmar Mendes, Diego Veras, afirmou que a lei do PSA pode ser utilizada como um arranjo para discutir outras formas de captação para viabilização econômica dos povos indígenas e também como eventual modelo para indenizações. “O ministro Gilmar Mendes diz que precisamos pensar em dinheiro novo. Podemos pensar em arranjos que podem ser feitos através da lei do PSA como uma possibilidade de buscar dinheiro novo para demarcação de áreas e para financiamento do modelo de vida. Isso com governança e com cuidado para que as comunidades internacionais não venham usurpar recursos dos povos indígenas”, pontuou Veras.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, observou que, no caso dos créditos de carbono, o mecanismo exige maior maturação, citando a suspensão de contratos abusivos registrados em desfavor de povos indígenas. Representando a Advocacia Geral da União (AGU), o diretor do Departamento de Assuntos Federativos, Pedro Guimarães, ponderou que o uso do PSA para pagamento de indenizações é “mal visto” pelo governo federal. “A ministra do Meio Ambiente (Marina Silva) é terminantemente contra a direcionar os recursos do PSA para pagar indenização”, pontuou.