Mapeie sua vida
Dinizar de Araújo, meu pai, professor de História e Geografia, tinha livros e fascículos repletos de mapas. Quando dei por mim, já era uma criança fascinada, que os folheava avidamente. O que me encantava era menos o significado geográfico ou a expertise do cartógrafo. Mas sim os intrigantes formatos que vestiam países, os contornos misteriosos, os adornos de anjos soprando ventos nos mares, as baleias demarcando oceanos, as rosas-dos-ventos barrocas, a teia de meridianos e paralelos, os rios mascadores de litorais, qual rasgos de ferrugem nas terras. As linhas, letras, cores. Mapas são belos.
Intuindo que a planta baixa é uma infância do mapa, com um lápis apontado a gilete, situei no papel de pão minha cama no quarto e o quarto na casa. Depois que pus a casa na rua, a planta baixa foi fazendo-se mapa, pois ramifiquei o caminho da casa da Dona Jandira, o campinho, a rua de cima, o matagal do meio, a trilha do Pedrão. Nada disso me fez bom aluno de geografia, ou de coisa alguma, mas consolidou a paixão. Quando o CCBB carioca realizou a exposição “O Tesouro dos Mapas”, a percorri deslumbrado, bebendo as formas dos portulanos de Juan Oliva, tábulas de Martin Waldseemüler, planisférios de Giovanni Domenico, a Carta-Generale de la Terre, de Nicolas de Fer, e outras preciosidades impregnadas de graça, cor e mistério. Acabei adquirindo o pesado volume que reproduzia as peças expostas.
Quando a paixão cartográfica se cruzou com as mil aventuras lidas nas bibliotecas Municipal e Toca da Coruja, da Rua Santos Dumont, fez-me um detalhista autor de mapas do tesouro. Uma brincadeira com minha filha, com passos a cumprir, pistas a decifrar, obstáculos a vencer, tudo indicado e anotado no mapa com que ela, exploradora encantada, percorria a casa. Num parque ou sítio, a coisa era melhor, com árvores e morros a escalar, e escavações a fazer, exatamente no “x” indicado no mapa. Quando ela achava o tesouro, dele saltavam conchas, bolas de gude, pulseiras e alegria.
Depois, dei de explicar mapas ao meu neto de uns 06 anos. Cartografei nossa posição no quarto, o quarto na casa, a casa no mundo, e por aí adiante. Como ele não entendeu absolutamente nada, vendo minha frustração por não fazê-lo alcançar algo que, ele percebia, era para mim tão precioso, saiu-se com essa pérola de piedade infantil: “Não liga não, Tato. Eu sou criança, daí eu não entendo mesmo essas coisas. Quando eu for grande, eu vou entender!”. Olhei-o, admirado e envergonhado. Minha imediata resposta definiu um dos meus claros conceitos sobre processos educativos. “A culpa não é sua. Eu é que tenho que arrumar explicação melhor, de uma forma que você entenda. Vamos tentar de novo”. Expus de outro modo, e logo os olhos dele se acenderam de compreensão e os mapas o fisgaram!
Num programa socioeducativo que dirigi, os adolescentes não escaparam dos “meus” mapas. Primeiro pus a molecada a mapear o Fórum de Teresópolis, depois as ruas das suas casas. Voltaram empolgados, apontando na folha de papel e dizendo: eu moro aqui. Produziram no desenho nada menos que o seu lugar no mundo. Esta, a beleza! Nos dizendo onde estamos, mapas nos ajudam a decidir onde chegar, quando ir e como alcançar. Ajudam nas batalhas, mas servem para fazer a paz. Guiam peregrinações e induzem descobertas. Orientam a esperança. E quando a gente bem se mapeia na vida, com a bússola da fé, mapas ajudam a seguir em frente. Esta, a missão.
denilsoncdearaujo.blogspot.com