Manu Gavassi acerta alvo com tom confessional
Manu Gavassi começou seu atual projeto tentando lançar um olhar supostamente profundo sobre a indústria pop, mas acabou indo mais fundo em outro objeto específico, sua especialidade: a própria Manu Gavassi. O tom confessional caiu melhor do que a crítica cultural.
A cantora lançou, na quinta, 4, o último vídeo da série de projetos audiovisuais iniciada em dezembro, com Programa de Proteção à Carreira Artística, que prenunciou três canções: Pronta pra Desagradar; Sexo, Poder e Arte e a mais recente, 31. A faixa foi lançada no dia de seu aniversário de 31 anos e ganhou um clipe em plano-sequência dirigido pela artista em parceria com Gabriel Dietrich. Os vídeos foram idealizados em seu espaço de criação, o Estúdio Gracinha.
Em Sexo, Poder e Arte e Pronta pra Desagradar, a qualidade da produção audiovisual é o destaque. Os vídeos, no formato de curta, têm mais de 10 minutos e contam com atuações que vão de Letícia Colin e Pathy DeJesus a Tim Bernardes e Pitty.
Faixa 31, porém, firma-se como o lançamento mais interessante dessa série, pois é quando Manu trabalha mais o tom confessional, sua especialidade. Isso é perceptível desde o clipe, mais intimista que os demais.
Ao avaliar a chegada aos 31 anos, Manu acerta nas singelezas: “Já quis estar com todo mundo, hoje quero estar com os meus / E pro orgulho de quem me criou, meu coração me protegeu”. O ponto alto da letra é quando ela se despe de suas influências estéticas – o tal “conceito” – e se mostra como é.
Pop teen
A cantora, vale lembrar, cravou seu espaço no pop teen brasileiro nos anos 2000. À época, quando tocava violão com looks boho chic, foi comparada com Sandy pelo timbre e pelas letras românticas e juvenis. A comparação, porém, não parecia justa a Manu, que desde sempre foi compositora das próprias histórias.
Seguindo os passos de Taylor Swift – de quem é fã -, a cantora encontrou-se nas letras confessionais, como um diário que mostra suas paixões e desilusões a um público que entende sua língua. Faixas como Farsa, de 2015, que fãs consideram uma indireta ao ex, o ator Chay Suede, se destacam nesse tom.
Em 31, ela reflete sobre si mesma, sobre a nostalgia da geração millennial e a dualidade em que vivem os jovens adultos, entre apostar no presente ou alimentar-se do próprio passado, como nos versos: “É que eu nasci no tempo errado, tô presa no agora”. No mesmo jogo, faz referências ao próprio passado e suas “eras”, como a presença no BBB e a suas letras, como em 23, lançada em 2017.
Canção 31 escorrega quando escancara inspirações já conhecidas – como a própria Taylor Swift (“matei todas as minhas versões antes que elas me matassem”, como em Look What You Made Me Do) ou Rita Lee (“Eu andava meio desligada, finalmente acordei”, em menção à canção dos Mutantes).
O vídeo Programa de Proteção à Carreira Artística, primeiro dessa série audiovisual, foi o que teve mais repercussão. O roteiro mostra a cantora tentando voltar à carreira com ajuda de uma versão automatizada de si mesma. A crítica não poderia ser mais estelar (Anitta chamou de “sensacional”, Duda Beat mandou um “muito bom, estou rindo e chorando”, Bruna Marquezine disse que “gostava muito do cérebro” da cantora). De modo geral, o clipe agradou a quem está inserido no mercado pop e vestiu a carapuça.
Na legenda que divulga o vídeo, Manu anuncia a série Severance (Ruptura) como referência – o que é perceptível, do roteiro ao cenário. Por isso, quem acompanhou a ótima produção da Apple TV pode não ter visto tanta genialidade no vídeo da cantora. O problema está aí: fica difícil reconhecer a essência do artista no meio de tantas referências que ela – e outros nomes pop – ostenta.
Clichês
Manu faz críticas clichês à indústria da música, ao apontar, por exemplo, que as polêmicas são importantes para o sucesso – o que já se sabe desde Emilinha Borba e Marlene a Britney Spears.
É irônico a cantora – que ganhou visibilidade nacional com o BBB, tem milhões de seguidores e publica posts com parcerias pagas – criticar a indústria usando um modus operandi que engaja. Outras reflexões nessa toada poderiam ser aprofundadas, como a multifuncionalidade exigida para artistas sem dinheiro e uma grande equipe, que precisam negligenciar o processo criativo para se dedicar às funções de empresário, produtor e social media para bancar suas carreiras.
Mesmo recebendo elogios, Manu precisou lidar com críticas vindas do público. Em dezembro, ela rebateu um seguidor que considerava suas letras “infantis”. O comentário veio no lançamento de Pronta pra Desagradar, que tem versos como: “Sotaque paulistano não se monetiza / O Brasil é muito vasto e eu, muito Mona Lisa”. Manu respondeu: “É porque mulher, quando não se mostra sexy, acaba sendo julgada como infantil”, sem considerar que, nesses casos, deve ser assim mesmo que o público a enxergue, independentemente de apelar ou não para a sensualidade.
Talvez por isso, tenha decidido dedicar sua melhor sacada para quem “é fã meeeesmo”(segundo suas próprias palavras no post de divulgação de 31). É quando aposta em sua autenticidade confessional que Manu Gavassi acerta o alvo. A ver qual será o legado deste 31 para sua carreira.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.