• Manipansos e penas de galinha

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  • 05/05/2017 19:05

    Envolvido na pesquisa documental para fechamento do 2º volume do livro “”Os Três Heleodoros”, obra que aprecia a vida e obra de meu avô, Joaquim Heleodoro, com integral transcrição de seus livros de poesias, crônicas, criticas de teatro e folhetins literários, tenho me transportado àqueles idos de 1870 a 1889 através da leitura atenta dos jornais editados pela copiosa imprensa da Corte do Rio de Janeiro. Verifico que o registro redacional, esmera-se em linguagem respeitosa, ao tempo que deliciosa nos relatos das ocorrências. Vale a pena reproduzir algumas delas. Sorrio diante da forma de alguns tópicos, que transcrevo, com todo respeito aos envolvidos na delituosidade dos decorridos quase um século e meio. Vamos até a edição do “Correio do Brasil”, de domingo 17 de março de 1872, seção “Notícias” :

    “ESTE PRINCIPIA CEDO – O menor João de tal Lopes, de 15 anos de idade, caixeiro, havera sete meses na casa de Jacob Silberberg, à rua dos Ourives n. 55, furtou várias joias na importância de 1:500$000. Em seu poder foram encontrados dois relógios de ouro, um anel do mesmo metal e duas chaves. Verificou-se que João Lopes vendera um relógio a um caixeiro de certa padaria da dita rua e outro a um relojoeiro à rua Sete de Setembro. O jovem larápio foi apresentado ao Sr. Dr. delegado de polícia.”

    “CADÁVER – Foi anteontem arrojado pelo mar à praia do Chichorro a cadáver de uma preta. Procedeu-se a corpo de delito e das averiguações, resultou que a morte tinha sido devido a asfixia por submersão”

    “JOGO – Por virtude de uma denúncia dada ao Sr. Dr. Chefe de polícia no sentido de que na casa de F. Ferreira, à rua do Regente n. 31, joga-se das 11 horas da manhã em diante, dirigiu-se à dita casa o Sr. Dr. 2º delegado acompanhado pelo Sr. Major comandante da Guarda Urbana, e ai encontrou várias pessoas entregues à tal distração. Foram todos intimados para receberem a competente admoestação e com esse fim marcharam à presença do Sr. Dr. Chefe de polícia”.

    “UMA MENINA – Na praça Onze de Junho estavam anteontem em questão renhida Ignácio Joaquim Ribeiro e Luiz Mariana de Lima, sobre a entrega de um filho, a qual os dois julgavam-se com direito. O rondante da praça levou ambos à presença do Sr. subdelegado respectivo, que decidiu a questão”.

    “CONTINUA A CAÇADA – Pelo 5º e 7º distritos da guarda urbana, foram recolhidos no xadrez, à disposição do Sr. Dr. Chefe de polícia, como vagabundos conhecidos, o escocês George, o pardo Henrique Luiz Chaves, Ernesto Joaquim Pereira, o inglês Henrique e José Alves Barbosa”

    “DEVOTO DE LINGUIÇA – O caixeiro do açougue n.112 da rua de Uruguaiana, queixou-se de que José Marcondes, namorado de umas linguiças pertencentes ao dito açougue, resolveu levá-las consigo sem dar sinal de si. O Sr. Major comandante do 1º distrito da guarda urbana, ciente do ocorrido, mandou anteontem apresentar ao Sr. Dr. 1º delegado de polícia, o indigitado gatuno. A autoridade procede à minuciosa indagação, tendo já verificado que o referido sujeito é praça do corpo de bombeiros”.

    “ATAQUE – Um indivíduo que anteontem às três horas da tarde passava pela rua Primeiro de Março, esquina da rua do Visconde de Inhaúma, teve um ataque e prontamente medicado na farmácia do Sr. Guimarães foi, por ordem do respectivo subdelegado remetido para o hospital da Misericórdia.

    “CASA DA FORTUNA – Baseando-se a uma denúncia dada ao Sr. Dr. Chefe de polícia, o Sr. Dr. 2º delegado dirigiu-se anteontem à casa n.15, da rua Estreita de S. Joaquim, habitada pelo preto Israel, que vive de dar fortuna, e ai encontrou todos os preparos do mesmo ofício, como os manipansos e penas de galinha. Todos esses objetos foram conduzidos para a polícia e a diversos pretos encontrados na referida casa foi intimada a ordem para comparecerem na polícia”.

    Selecionei oito notícias, cada qual assinalando o comportamento da população e das autoridades, sob cuidados de “rondantes” de atendimento rápido e a eficiente ação dos policiais acalmando, apurando e promovendo a lotação dos xadrezes anexos às delegacias.

    Delinquência infantil, descobertas macabras, combate ao jogo, brigas familiares, recolhimento de mendigos, furtos, mal súbito em via pública e a repressão aos cultos afro-brasileiros que assustavam os poderosos, eis uma deliciosa amostra da vida do povo carioca nos tempos imperiais. Cada acontecimento registrado pela imprensa é retrato gravado, sem dúvida, do comportamento e pensamento da cidade, naqueles tempos, não tão maravilhosa como sugere o atual hino.

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