• Magistrada aposentada por usar cargo para soltar filho preso ganhou R$ 925 mil em 2023

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  • 14/jan 22:17
    Por Rayssa Motta / Estadão

    Aposentada compulsoriamente por usar o cargo para tentar soltar o filho preso por tráfico de drogas, a desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, recebeu R$ 925 mil em valores brutos em 2023. Do total, R$ 489 mil foram verbas extras que turbinaram o contracheque. Com os descontos, ela teve rendimentos líquidos de R$ 715 mil no ano passado.

    Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência do Tribunal de Justiça. Procurada pelo Estadão, a Corte ainda não se manifestou. Na seção onde disponibiliza os gastos com pessoal, o tribunal informa que “nenhum dos seus colaboradores, juízes ou desembargadores recebe acima do teto constitucional”.

    A Constituição limita o subsídio do funcionalismo público ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o que hoje corresponde a R$ 41.650,92, mas magistrados recebem auxílios que não entram no cálculo. Verbas indenizatórias (como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens eventuais (como 13º salário, reembolso por férias atrasadas e eventuais serviços extraordinários prestados) são contados fora do teto, abrindo caminho para os chamados “supersalários”.

    A remuneração base da desembargadora é de R$ 36.282,27 mensais, mas ela recebeu também R$ 3.628,23 por mês a título de indenização. Em novembro, excepcionalmente, teve direito a mais R$ 36.282,27 a título de “vantagens eventuais”.

    Tânia recebeu ainda o adicional por tempo de serviço – benefício que acarreta um aumento automático de 5% nos vencimentos a cada cinco anos. Entre fevereiro e outubro, o valor foi de R$ 30 mil. Em novembro, passou para R$ 40 mil e, em dezembro, chegou a R$ 100 mil por mês.

    O adicional por tempo de serviço, conhecido como quinquênio, foi extinto pela Reforma da Previdência de 2003, mas alguns tribunais autorizam pagamentos retroativos a magistrados que começaram a carreira antes da mudança entrar em vigor. Como mostrou o Estadão, uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) tenta acabar com as sobras.

    A desembargadora foi aposentada compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra e fiscaliza o Poder Judiciário, em dezembro de 2021.

    Ela já estava afastada do cargo durante a tramitação do processo disciplinar. Os conselheiros concluíram que a magistrada violou os princípios da integridade, dignidade, honra, decoro e independência.

    A aposentadoria compulsória é a maior punição disciplinar prevista para desvios de magistrados. Apesar da penalidade, eles têm direito aos proventos proporcionais ao tempo de serviço.

    O caso que levou à aposentadoria compulsória da desembargadora aconteceu em 2017.

    Ela foi acusada de usar o cargo para exercer influência pela soltura do filho, Breno Fernando Solon Borges, em diferentes frentes – desde a audiência de custódia até a transferência do presídio de Três Lagoas, em Cuiabá, para uma clínica psiquiátrica.

    Quando conseguiu autorização judicial para a transferência, sob argumento de que ele precisava de tratamento psicológico com urgência, ela foi até a penitenciária escoltada por policiais civis para tirar o filho da cadeia. Breno Fernando ainda foi levado por ela até a casa da família, onde passou horas antes de ser internado.

    Em depoimento, o diretor da unidade prisional contou que se sentiu “pressionado”. Em mensagens trocadas com o juiz do caso, na tentativa de confirmar a ordem de transferência, ele afirmou que “ela veio inclusive com policiais já ameaçando prisão por desobediência” antes mesmo do recebimento do mandado judicial e do cumprimento dos trâmites seguidos habitualmente pela Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário para as solturas.

    Quando a desembargadora se tornou alvo da investigação por suposto favorecimento ao filho, seu advogado, André Borges, reagiu às suspeitas e negou que ela tenha usado o cargo para fins privados.

    Ele argumentou que Tânia esteve no presídio para fazer cumprir a ordem judicial que determinava a transferência do filho uma vez que ela havia sido designada curadora no caso.

    O advogado ainda argumentou que o carro funcional e a escolta de policiais civis foram necessários para garantir a integridade física da magistrada, que havia sido corregedora na unidade prisional.

    “O processo julgado hoje é o mesmo em que Dra. Tânia havia sido absolvida pela Justiça Estadual. Certamente impugnaremos a decisão, porque ela não se sustenta. Nunca deixaremos de pleitear um julgamento justo e correto para essa magistrada, o que ainda não ocorreu”, alegou o advogado quando o CNJ decretou a aposentadoria compulsória.

    A magistrada recorreu ao Supremo Tribunal Federal para tentar anular a decisão do CNJ e reassumir o cargo.

    O pedido foi negado em análise liminar pelo ministro Luís Roberto Barroso, mas o mérito ainda está pendente de julgamento.

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