• Luta de classes ou a colaboração entre elas?

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  • 29/07/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Nos tempos em que trabalhei no IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em Brasília (1974-1975), tive a oportunidade de frequentar um curso dado pelo Prof. Lauro Campos, na UnB. Era a leitura, página por página, de O Capital, de Karl Marx. Meu intento era conhecer a fundo a obra que levou o mundo a um terremoto político e econômico. Já naquela época, eu tinha várias  restrições à obra de Marx.

    Anos mais tarde, Raymond Aron, resumiu magistralmente os sérios tropeções de Marx: “Creio não haver doutrina tão grandiosa no equívoco, tão equívoca na grandeza”. Esta frase poderosa expõe a fragilidade de certas figuras que surgem na História da humanidade como seus salvadores. E, depois, o tempo histórico nos revela quem eram de fato. E aí vem a dolorosa decepção. Poucos povos escapam dessas armadilhas em que o custo humano desses desvios de comportamento é elevadíssimo.    

    Minha formação anterior de economista na EPGE – Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV (1972-1973) me levou a tomar conhecimento, numa aula do Prof. Mario Henrique Simonsen, que a teoria do valor trabalho como fonte exclusiva de valor não se sustentava nem em teoria, nem em termos práticos. O Prof. George J. Stigler, do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, escreveu, em 1958, um artigo famoso intitulado “Ricardo and the 93% labor theory of value” (“A teoria 93% do valor trabalho”) para demonstrar que era impossível aceitar que só o trabalho produz valor.

    Marx, na verdade, tomou emprestado do famoso economista inglês Ricardo a teoria do valor trabalho e lhe deu um destino político para explicar a explora-ção do capitalista das horas a mais não-pagas roubadas do trabalhador em sua labuta diária nas fábricas, a mais-valia. Mas a presença do capital não pode ser ignorada na produção de valor. Esta também pode ser entendida como capacidade empresarial sem a qual a organização da produção não funciona.

    Além disso, os 7% remanescentes na formação do valor de um produto ou serviço podem ser explicados pela taxa de juros que oscila nesse nível em termos reais. Em outras palavras, a taxa de juros não foi inventada por um  banqueiro. A moderna teoria econômica nos fala da preferência intertemporal em nossa tomada de nossas decisões. Se alguém lhe pede emprestado 1000 reais propondo lhe pagar 1100 reais ao final de um ano, supondo inflação zero, é bem provável que você acabe aceitando. Este ganho de 10% é o preço que você cobraria para abrir mão de consumir 1000 reais hoje em troca de dispor 1100 reais para consumo dali a um ano. Ou seja, cada um de nós dá sua contribuição na gênese e formação do que chamamos de taxa de juros.  

    E aqui começamos a contabilizar os sérios equívocos de Marx. Nele, a chamada mais-valia é rotulada de pura exploração do trabalhador pelo capitalista. Mesmo que aceitássemos essa visão, não há como negar que eliminar a mais-valia, entendida como fonte de investimentos futuros e não exploração, seria desastroso para o próprio trabalhador.

    O caso da Iugoslávia, sob Tito, quando os trabalhadores passaram a ser donos das fábricas, é ilustrativo. Ao aumentarem sistematicamente seus salários, esqueceram de investir. Como (quase) não houve investimento, tam-bém não houve ganhos de produtividade, nem geração de novos empregos. O salário real do trabalhador estagnou. E foi assim que a Iugoslávia se tornou o maior exportador líquido de mão-de-obra para o resto da Europa. Em resumo, o tiro saiu pela culatra do trabalhador. Marx pisou em falso.

    Vamos agora à propalada luta de classes como motor da História, queridinha de Marx, Lênin, Stálin e até de Lula. Este diz ter aprendido este refrão com Marx, que nunca deve ter lido. Hora de citar Marguerite Yourcenar em seu aclamado livro “Memórias de Adriano” em que ela nos revela quem foi este imperador romano, nascido em Itálica, na hoje Espanha, contrariando a convenção oficial de que um imperador nascesse em Roma. Ela nos diz, citando Adriano, que “a convenção tem a vantagem de provar que as decisões do espírito e da vontade transcendem as circunstâncias”.

    Numa parte do livro, ela menciona a visão de Adriano sobre a guerra. E os comentários que ele ouvira dos comerciantes e artesãos sobre os malefícios da guerra como mecanismo que trava as transações e negócios de um modo geral. Surpreende que Adriano, imperador de Roma, sabedor do poderio e da eficiência das legiões romanas, concordasse com comerciantes e artesãos sobre os efeitos da guerra. Ele preferia a paz. Marx ia na direção oposta quase dois mil depois. Este é um caso em que a convenção deve ser respeitada.

    Essa sabedoria que atravessa os séculos não foi capaz de sensibilizar Marx quando optou pela luta de classes como motor da História. Na verdade, optou por uma espécie de guerra social como mecanismo de avanço sócio-econômico. Outro erro grosseiro do Mouro, que deu filhotes a três por quatro mundo afora. Basta lembrar dos crimes de Stálin ou da Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung, dentre diversas outras atrocidades com que a História, tristemente, nos mostra.

    O atual governo federal, que tomou posse em 2023, parece ignorar a importância da colaboração entre as classes sociais. Sem essa perspectiva, tudo se torna mais difícil. No plano externo, as gafes e equívocos dispensam comentários tamanha a frequência com que Lula abusa de nossa paciência, como diria Cícero em suas Catilinárias. No plano interno, Lula quer reestatizar.

    Poucos analistas deixam transparecer que o Brasil vive uma situação anômala na presidência Lula. Quem perde as eleições nas quatro grandes regiões geográficas do país, onde residem 75% da população, não era o presidente que o país como um todo desejava. É por isso que os pais fundadores dos EUA instituíram o voto do colégio eleitoral para resguardar a democracia de baixo para cima, e definir o vencedor.       Luta de classes sem voto distrital e recall é a receita certa para dar errado. Colaboração e gestão democrática dos conflitos é que dão resultado.

    **Nota: “Dois minutos com Gastão Reis: Políticos: Você no controle”.

     

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