• Lula estadista, como assim Winston?

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  • 05/03/2022 09:30
    Por Gastão Reis

    Ao ler o artigo do Prof. Winston Fritscht, “Lula vem aí, e daí?”, meu colega docente no Departamento de Economia da PUC-Rio na década de 1980, publicado no Globo, em 20/02/2022, eu me lembrei do que havia escrito no Diário e na Tribuna de Petrópolis, em 29/01/2022. Meu título, “Nem Lula, Nem Bolsonaro, Nem Ciro, Nem Moro, Nem…”, deixava claro nossa sinuca de bico político-econômica das últimas décadas de crescimento per capita pífio.

    Meu objetivo era mostrar a falência institucional do Patropi. Autores como o Nobel Douglas North, em “Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico”; Daron Acemoglu, em “Por que as Nações Fracassam”; e Francis Fukuyama et alii, em “Ficando para trás – Explicando a crescente distância entre América Latina e Estados Unidos”, exploraram com êxito o papel das instituições, basicamente as regras do jogo conducentes ao avanço, estagnação ou encolhimento das economias das nações, na definição de Douglas North.

    Ao longo do artigo, Winston traça um panorama que vai na mesma direção do meu artigo. Minha surpresa, no final de seu texto, foi quando ele abre a possibilidade de Lula agir como estadista. Cabe aqui relembrar Delfim Netto, numa palestra ministrada em um dos encontros anuais da revista HSM Management, em São Paulo, em meados da década de 2000.O mundo estava num período de vacas gordas, que incluía o Brasil. Em determinado momento, Delfim parou e disse: “Mas o Lula pensa que foi ele…”. Gargalhada geral.

    É público e notório que Lula descarrilhou em seu segundo mandato, se deixando levar pelo canto da sereia da esquerda. Na América Latina, ela parece ter vocação para montar desastres econômicos pré-programados. Dilma cavou mais fundo no mesmo buraco, que a levou à própria sepultura,o impeachment. As habilidades políticas de Lula não chegam a ponto de realizar milagres. Convidar Alckmin para vice, que parece ter mudado de nome para Álcool-Em-Mim, não deverá ser o santo milagreiro almejado.

    Ser estadista exige alguns requisitos, mas o mais importante deles é ter visão de longo prazo. No Brasil republicano, a produção de estadistas é coisa rara. Mesmo aqueles que costumamos rotular de estadistas, como Vargas e pouquíssimos outros, não preencheram plenamente o requisito de montar estruturas político-institucionais eficazes e eficientes a longo prazo. Nas hostes tradicionais, livros como o de Gustavo Franco, “A Moeda e a Lei – Uma história monetária brasileira – 1933-2013”, e de Affonso Celso Pastore, “Erros do Passado, Soluções para o Futuro”, compõem uma espécie de muro das lamentações de nossos erros de políticas econômicas ao longo de décadas.

    Gustavo Franco nos fala dos três demônios que acompanharam a nova ordem fiduciária estabelecida, em 1933, no Brasil: o inflacionismo (longa tolerância com altas taxas de inflação); o isolacionismo (não enfrentamento do mercado internacional com eficiência produtiva); e o seletivismo (outro nome para apadrinhamentos de toda espécie, com o povo sempre de fora). Pastore, em linha crítica semelhante, nos fala das políticas econômicas da ditadura militar, no período 1964 a 1985, cujos pontos de intercessão com o ideário da esquerda são evidentes, e, como sempre, contraproducentes a longo prazo.

    A prova cabal é que 2/3 das estatais foram criadas após 1964. Ou seja, a falta de visão de longo prazo reflete a escassez de estadistas. A produção espantosa foi a de maus políticos, centrados no próprio umbigo, com as raras e honrosas exceções de praxe. Mas a população não se deixou enganar. A pes-quisa do Datafolha, realizada nos dias 13 a 15 de setembro de 2021, revela que sua confiança nos poderes e nas instituições foi bater no tornozelo.

    Encarar a possibilidade da volta de Lula na base do “E daí?” é preocupante. Revela o nível de exigência a que chegamos em matéria de política e políticos.

    Há que se levar em conta o papel da confiança popular nos homens públicos. É impossível construir o futuro sobre alicerces tão frágeis num país em que o STF conseguiu a proeza de transformar Lula em mocinho e Moro em bandido. E isso a despeito do mensalão e do petrolão mais que comprovados.

    Será que foi sempre assim? Não mesmo!

    O historiador Marco Villa nos informa que houve apenas dois casos de corrupção exemplarmente punidos no Segundo Reinado. Ainda me recordo da história contada por um tio meu já falecido sobre quebra de confiança. Um tesoureiro do Paço Imperial precisou de dinheiro e lançou mão de certa quantia do caixa, que repôs após uma semana. Mas o fato chegou aos ouvidos de Pedro II. Foi o bastante para ser deportado para Portugal. Exagero? Nem tanto.

    Em 1963, o caso do ministro da guerra John Profumo com Christine Killer, também amante do adido militar russo em Londres, foi suficiente para retirá-lo da vida pública bem como o primeiro-ministro Harold Macmillan. Outro exemplo: ao saber que Churchill lhe havia mentido para se ausentar da audiência semanal, alegando um resfriado quando havia tido um derrame, a rainha Elizabeth II lhe disse que não cabia a ela governar, mas sim garantir que o País tivesse um governo eficiente. Como fazer isso se seu ministro lhe mente? Sem confiança mútua, o eficiente se divorcia do dignificante no exercício do poder, como alertava Bagehot, autor de “A Constituição Inglesa”.

    Note, caro(a) leitor(a), que estamos diante de situações de simples quebra de confiança e da responsabilidade pessoal do homem público. Mesmo que Lula não soubesse do mensalão e do petrolão, coisa em que ninguém acredita, ele era responsável pelos malfeitos de seus subordinados. Essa situação teria sido, em velhos bons tempos, suficiente para riscá-lo da vida pública para sempre. Mas, no Patropi, ele pode voltar a ser presidente e, quem sabe?, até virar estadista, para o articulista em tela.

    Lula e PT retomaram o discurso da regulamentação dos meios de comunicação, da revisão da reforma trabalhista e da reestatização. Ou seja, mais décadas perdidas. “E daí” é que Lula é, de fato, estatizante, caro Winston.

    (*) Vídeo do autor, “O autoengano de Lula”, gravado, há três anos, para o programa “Dois Minutos com Gastão Reis”, que pode ser visto clicando no link:https://www.youtube.com/watch?v=WPKaUfMQuX0

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