Liturgia do abraço
Hoje à noite todos precisaremos de um abraço. Como quem chega da jornada de um luto, de um desabamento. Ou parte numa caravela rumo aos mistérios do Mar Oceano. Até esse dia beira urnas vivemos estrada íngreme, cheia de abismos. Aqui chegamos exaustos. Houve sustos, houve insultos e enxurradas de mágoa. Muitos mudaram o voto diversas vezes. Porque todo mundo intuiu que desta vez é diferente. Não é só mais uma eleição. Queríamos um salto para o futuro, mas as principais escolhas dadas parecem todas ser formas de retrocesso, um túnel para o passado. Foi-se o conforto de votar com a alegria juvenil da esperança, como já aconteceu antes. Alegria e esperança de antes foram traídas, esmagadas, e ficamos machucados. Morreram todas as ilusões. Por isso, todos temos mares de dúvidas no cérebro. Muitos tinham uma certeza há um mês atrás, que virou interrogação nessa noite.
O voto será uma tentativa de acerto. Alcançar um alvo com olhos fechados. Votar quase como quem faz difícil prova de física. Andar sobre fio de navalha em cima de uma pirambeira. Precisamos chegar ao outro lado. Porque esse voto provavelmente será cobrado daqui a 50 anos. O que fez você naquela eleitoral primavera do ano da Graça de 2018? Qual a resposta para este dilema, meu Deus? Porque há rancor nessa eleição. Gente muito machucada pelo PT, gente muito machucada pelo Bolsonaro. E os feridos pelos dois polos, por todos os poros. Gente que gostaria muito de votar a favor de algo, de uma paixão, certas verdades, um cado de sonho, mas tanto perdeu, tanto padeceu, machucou-se, que teve que acatar entrincheirar-se num voto, se defender. Do esmagamento pela corrupção e frouxidão moral, ou do esmagamento pela injúria e louvação da ditadura. E para isso, se votará contra o que mais se abomina em favor do que apavora um pouco menos. Contra o que mais lhe incomoda a alma, seja a corrupção traidora, sejam os verbos da injúria, seja o caminhão das mentiras.
Tanto ódio envenenou o país. Muitos até conseguimos não odiar. Mas ninguém conseguiu não ser odiado, ou ao menos não ser injustamente repreendido, por alguém que não calça nossos sapatos, nunca sentiu nossas dores, nem vive nossos receios. E isso nos machucou. Por isso precisamos de um abraço. Já houve muita aridez nessa campanha, desertos demais, xingamentos em excesso. Precisamos de um abraço porque hoje é uma véspera difícil. Na liturgia católica, as Vésperas, ou Liturgia das Horas, se abrem com a invocação: “Deus, vinde em nosso auxílio”. E hoje eu sei que Brasil afora, católicos ou não, vão elevar os olhos para os montes dos salmos e fazendo tais orações de socorro. Porque há um desconforto físico, um peso psicológico, um cilício apertando os pulmões de quem olha o dia de amanhã. Ele é uma incógnita cujas respostas não parecem nem um pouco alvissareiras. Levante, então, nesse domingo e clame aos céus por claridão. Caminhe firme até a urna e faça o teu voto. E depois ponha os joelhos sobre a bandeira verde-amarela esticada no chão e rogue a Deus por luz para o nosso futuro.
Com abraço e prece, eu quero crer que viveremos. Superaremos, venha o que vier. Passamos já tempos difíceis nesse país. Ditadura, hiperinflação, desmandos petistas, Collor, Dilma, Temer. E estamos aqui, ainda em pé. Nos caberá a vigilância democrática para que nada desande. E um pouco de ternura. Esperança. Como disse noutra crônica, aos moderados caberá moderar. Receba meu abraço.
denilsoncdearaujo.blogspot.com