‘Litigância predatória’ sobrecarrega Justiça paulista e gera custo bilionário
A chamada “litigância predatória” causou um prejuízo estimado de RS 16,7 bilhões entre 2016 e 2021 em São Paulo, segundo estudo da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado. O Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas (Numopede) do Tribunal de Justiça paulista calcula que o fenômeno do ajuizamento de ações em massa gerou, em média, 337 mil processos por ano, causando impacto em todas as varas cíveis do Estado.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a litigância predatória consiste na provocação do Poder Judiciário por meio do ajuizamento de demandas massificadas com elementos de abuso ou fraude. Conforme consulta feita pelo CNJ com Tribunais de Justiça dos Estados sobre demandas predatórias ou fraudulentas, essas ações são caracterizadas pela quantidade desproporcional se comparada aos históricos estatísticos de ações propostas por autores residentes em outras comarcas/subseções judiciárias; petições acompanhadas de um mesmo comprovante de residência para diferentes ações; postulações de advogados não atuantes na comarca com muitas ações distribuídas em um curto período de tempo; procurações genéricas; e distribuição de ações idênticas.
Em artigo publicado no Blog do Fausto Macedo, no portal do Estadão, a advogada Camila Daiane Dias Rocha afirmou que o objetivo da litigância predatória é, quase sempre, a captação indevida de clientes por meio de promessas de êxito e de grandes indenizações. “Não são raros os casos em que pessoas leigas se tornam vítimas. No ano passado, três advogados teriam ajuizado, juntos, 78.610 ações indevidas contra bancos em todo o País.”
As informações sobre o prejuízo estimado em São Paulo em decorrência da litigância predatória são do juiz assessor da Corregedoria-Geral da Justiça, Felipe Albertini Nani Viaro. Os dados foram divulgados pela revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur) e confirmados pelo Estadão.
“O uso abusivo e reiterado da jurisdição consome recursos públicos relevantes e acaba por prejudicar o acesso à Justiça e a razoável duração do processo daqueles que efetivamente necessitam do Poder Judiciário para a solução de conflitos reais”, disse Viaro.
Casos
Os dados, que ainda serão divulgados oficialmente, constam de dois estudos produzidos pelo órgão no ano passado. Os trabalhos foram realizados com o intuito de estimar a movimentação processual e os custos gerados pela prática no Estado de São Paulo.
O primeiro se debruçou sobre 30 casos com características de litigância predatória entre 2016 e 2021. Cada um deles abarca um grupo de “atores processuais”. Essa primeira amostra gerou uma movimentação processual calculada em 120 mil processos, afetando 840 unidades judiciárias.
No mesmo período, o Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas do TJ de São Paulo recebeu 503 casos – incluindo os 30 citados. O grupo é responsável por analisar as movimentações processuais em busca de “atipicidades”.
Os próprios magistrados da Corte paulista podem acionar o órgão, informando, por exemplo, um número grande de processos sobre um mesmo tema e com características idênticas, como a parte autora da ação e os advogados que a representam.
O grupo também verifica se esses advogados representam outras empresas ou pessoas que acionaram a Justiça para tratar do mesmo assunto. Foi com base em tais dados que o Tribunal de Justiça paulista calculou que a litigância predatória no Estado gerou cerca de 337 mil processos por ano.
Cálculo
Já no segundo estudo, o objetivo foi estimar o prejuízo da movimentação predatória da Justiça. Para o cálculo, o tribunal de São Paulo levou em consideração o custo estimado de um processo. Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o valor é de R$ 8.270 por ação, na referência para março de 2022.
Tal montante estimado como custo pelo Ipea leva em consideração apenas questões ligadas à movimentação processual, e não abrange outras despesas comuns nas ações, como a realização de perícias técnicas, por exemplo.
Com relação aos 30 primeiros casos, a estimativa foi de um prejuízo no valor de R$ 999,3 milhões no período (2016 a 2021) e de R$ 166,5 milhões por ano. Já com relação ao número global de casos (503), chegou-se ao montante total de R$ 16,7 bilhões ao longo dos seis anos.
Segundo Viaro, quando a Corregedoria identifica indícios de uso abusivo da jurisdição, são desenvolvidos estudos e criadas boas práticas para combater a litigância predatória. Além disso, se identificados crimes ou infração disciplinar, os dados são encaminhados para o Ministério Público e para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
‘Critério conservador’
Os casos de litigância predatória e seus impactos também foram analisados de acordo com o critério do Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o que gerou uma estimativa ainda maior.
Seguindo o cálculo mineiro e levando-se em conta a variação de casos novos, ano a ano, entre 2016 e 2021, o TJ aponta que a movimentação predatória gerou uma média de 605 mil processos, anualmente. “Considerando o ano de maior distribuição de processos cíveis, em um único ano, a litigância predatória teria gerado mais de 722 mil novas demandas e, mesmo no ano de menor distribuição, o número de demandas ultrapassou a marca dos 448 mil feitos”, informou a Corregedoria.
Ainda com base no critério do TJ de Minas Gerais, quanto ao custo de tais movimentações para o Estado, considerando o valor do processo calculado pelo Ipea, o prejuízo ao erário seria estimado em um montante de R$ 4,4 bilhões, anualmente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.