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  • 25/maio 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    “Gratidão”. Essa é a palavra que traduz o meu sentimento pelo reconhecimento da dedicação de um cidadão nordestino que viveu a serviço da Língua Pátria. Quando passei a ter conhecimento da forma escrita da língua, já havia a “Moderna Gramática Portuguesa”.

    A meu ver, não se trata apenas de uma gramática, mas de um serviço prestado à consolidação da estrutura da Língua Portuguesa.

    As palavras fogem quando o coração se aquece na partida de alguém que fez e faz a diferença em nosso existir. Inúmeras vezes recorri à “Moderna Gramática Portuguesa” para sanar dúvidas sobre regras que normatizam a nossa Língua. É preciso que se reconheça a importância de uma padronização ortográfica e de uma estrutura sintática formal que favoreça a nossa comunicação.

    O processo evolutivo da humanidade perpassa pelo uso da linguagem. Já afirmara Olavo Bilac: “a Pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos, é o idioma criado ou herdado pelo povo (…) A morte de uma nação começa pelo apodrecimento de sua língua. Ainda hoje notamos que, para manter e consolidar a conquista de países subjugados, a primeira coisa que procuram fazer as nações fortes é impedir nas escolas desses países o estudo da língua materna”.

    Quem é operário conhece o zelo que é preciso ter com as ferramentas de trabalho. Tenho dois livros que sempre procuro nos momentos de aflição: a “Bíblia” e a “Gramática do Bechara”. O primeiro sempre recorro pelas tribulações da vida; o segundo me ajuda no cuidado com as palavras. Não consigo precisar quantas vezes citei-a para justificar um direcionamento linguístico. Isso ocorre pela bela insegurança que as palavras nos oferecem. Tenho a eterna insegurança de um aprendiz. Ainda não domino as minhas dúvidas. Contudo, o tempo tem me ajudado a viver em harmonia com elas.

    A primeira edição da “Moderna Gramática Portuguesa” publicada pela Companhia Editora Nacional, ocorreu em 1961, com uma reverência carinhosa ao filólogo M. Said Ali. Essa obra encontra-se na 40ª edição. Faça as contas aí: – quantas pessoas beberam nessa fonte?

    Tivemos a oportunidade de constatar essa admiração do professor Bechara por Manuel Said Ali Ida, considerado como um dos maiores sintaxistas da Língua Portuguesa, nascido neste Município, em 1861, quando ele esteve aqui para ministrar, na Casa Claudio de Souza, em outubro de 2018, a convite da Academia Petropolitana de Letras (APL) e da Academia Petropolitana de Educação (APE), uma palestra com o tema sugerido por ele: “Manuel Said Ali Ida, um patrimônio cultural que se esconde em Petrópolis”.

    Diante do que foi exposto no dia, a APL instituiu o “Prêmio Manuel Said Ali Ida”, concedido às pessoas que se destacam, em Petrópolis, sobre a dedicação à Língua Portuguesa.

    Em dezembro de 2018, o Professor Bechara voltou à Casa Cláudio de Souza. Dessa vez, para receber as “Palmas Acadêmicas”, horaria máxima da APE, pelos excelentes serviços prestados à Educação. Quem o saudou foi a professora acadêmica Carmen Felicetti, uma ex-aluna do período em que o Mestre Bechara lecionou na Universidade Católica de Petrópolis (UCP).

    O professor, o gramático, o filólogo, o mestre Evanildo Cavalcante Bechara nasceu em Recife em 26 de fevereiro de 1928. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 11 de dezembro de 2000, na sucessão de Afrânio Coutinho. A posse ocorreu em 25 de maio de 2001. Sergio Corrêa da Costa foi o acadêmico que o recebeu.

    Esse grande mestre faleceu na quinta-feira passada (22/05), em decorrência de falência múltipla dos órgãos. Mas permanecerá vivo na Pátria da Língua. Sinto o privilégio de ser um entre os milhares de seus ex-alunos.

    Há uma resignação silenciosa pela compreensão dos limites impostos pelo tempo. A efemeridade da vida humana se evidencia com o passar dos anos. Mas, nessa caminhada, é possível deixar pegadas para a eternidade. É inquestionável a importância do trabalho efetuado pelo professor Evanildo Bechara, mas também é preciso ressaltar a sua essência humana refletida na simplicidade, na atenção com os alunos. A humildade também engradece o ser…

    A ideia de liberdade ainda paira entre nós, porque ninguém é dono do pensamento, nem dono da língua, muito menos dono dos sonhos. Embora não haja dono, cada um carrega uma linguagem, um pensamento e muitos sonhos. E quem mantém os sonhos vivos não se exila da Pátria da Língua. “Um povo só começa a perder a sua independência, a sua identidade, a sua existência autônoma, quando começa a perder o amor pelo idioma natal”, já afirmara o poeta Olavo Bilac.

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