• Língua de trapo

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  • 01/08/2018 13:15

    Compartilhei durante muitos anos com vários colegas de trabalho, todavia dotados de personalidades diversas. A maioria composta por pessoas que se dedicavam às suas atividades de “corpo e alma”.

    Outras nem tanto, uma vez que se tratavam de seres descansados e desprovidos de qualquer vontade de progredir e de ascender a postos mais importantes, permanecendo desta forma, a desempenhar sempre as mesmas tarefas cansativas e de caráter extremamente burocráticas. Quando instados a buscar cursos para aperfeiçoamento profissional ou atividades similares negavam-se, alegando a já tão conhecida “falta de tempo”.

    Uma figura, entretanto, nunca deixou de chamar minha atenção; Fernando, na intimidade conhecido por todos como Nando; tratava-se de servidor dedicado ao trabalho, justamente detentor do perfil considerado como de escol, “pau pra toda obra”.

    Não era jovem e por isso mesmo sua saúde já se tornara precária; a mania por remédios por ele foi abraçada desde moço. Aceitava ingeri-los através de “receitas” formuladas por aqueles que sequer cursaram medicina, hábito adotado por muitas pessoas e os tolos, por sua vez, a aceitarem tais “prescrições”.

    Nando, embora cumpridor de suas obrigações, carregava consigo uma terrível mancha por ele nunca superada.

    E, justamente em face desse ponto fraco, era constantemente admoestado por seus superiores e colegas, todos a aconselharem que corrigisse tal comportamento.

    O cidadão, ainda teimoso e turrão, certo dia adoeceu, e foi a partir daí que o defeito aflorou de modo mais acentuado. Talvez, o “peso” da doença que se abatera sobre ele fizera agravar o malsinado costume.

    Mas que mancha afinal carregava o teimoso Nando? A de falar mal de seu próximo, procedimento que fez incorporar à sua trajetória, mesmo que se tratasse de pessoa detentora de outras qualidades.

    Entretanto, já bastante enfermo, palavras ferinas continuavam a ser proferidas; “a língua não lhe cabia na boca” e se contrariado, a vítima que procurasse escapar de suas maledicências.

    Contudo, como o mundo dá voltas, o mais certo é que um dia iremos “embarcar” para outras paragens. Partiu Fernando deixando saudades entre alguns; outros, certamente a se livrarem da língua de trapo daquela figura de personalidade tão discutível.

    Acabei por tomar ciência de seu falecimento por intermédio de sua esposa, e não posso negar que me senti entristecido com a notícia.

    Transcorrido algum tempo, depois de encontrar com amigos e colegas de Fernando, relataram-me, outrossim, quanto ao sentimento de tristeza que lhes envolveu no tocante à sua morte. E completaram: “afinal, tratava-se de um ser humano, na realidade, com um sério defeito, mas quem não os tem?”

    Em razão de tudo o que se passou, veio de repente à minha mente o que escreveu o poeta a tal propósito, aplicável como uma “luva” à figura do sempre lembrado Fernando:

    “Quando ao jazigo baixou,

    já que há pouco faleceu:

    a bigorna sossegou,

    a marreta emudeceu”.



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