• Lições e memórias de Morricone

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  • 29/09/2022 07:00
    Por Luiz Carlos Merten, especial para o Estadão / Estadão

    Bernard Herrmann criou partituras para Orson Welles, mas é lembrado principalmente pela parceria com Alfred Hitchcock. Memoráveis exercícios de suspense do mestre não seriam tão angustiantes sem o acompanhamento musical do grande compositor. Da mesma forma, o trabalho conjunto de Nino Rota e Federico Fellini tende a ofuscar a parceria do músico com Luchino Visconti, incluindo a obra-prima Rocco e Seus Irmãos. E o que dizer de Ennio Morricone e Sergio Leone? As cavalgadas naquele Velho Oeste de mentira – foram filmadas em Almería, na Espanha – marcaram para sempre o imaginário dos cinéfilos e deram sua carta de nobreza ao spaghetti western. O cinema de Leone, a trilogia do Estranho Sem Nome, com Clint Eastwood, e Era Uma vez no Oeste, tem alguma coisa a ver com o tempo, e o tempo da música – de Morricone – deu-lhe sua grandiosidade.

    Tudo isso é verdade, mas não se podem subestimar as belíssimas partituras que Morricone criou para outro destacado diretor. Cinema Paradiso dificilmente seria tão pungente – as lembranças de Totó – sem aquela trilha. E o que dizer de Malena? Morricone não foi apenas “o” compositor preferido de Giuseppe Tornatore. Foram grandes amigos.

    Tornatore escreveu um livro sobre suas conversas com o compositor, à maneira daquele que François Truffaut concebeu sobre o mestre do suspense. Ennio – O Maestro foi lançado em inglês pela HarperCollins. Tem, quase ao pé da capa, a palavra “conversazione”. Uma conversa inesquecível para quem ama o cinema.

    DOCUMENTÁRIO

    Tornatore fez também um documentário que, nesta quinta, 29, estreia nos cinemas. O livro foi celebrado como unanimidade: “Uma grande lição de cinema, mas também uma lição de história”, diz um crítico. Mas Ennio, o Maestro, o filme, recebeu algumas críticas. Seria muito longo. Há controvérsia, porque Tornatore costura depoimentos – de grandes artistas e do próprio compositor – com as cenas de filmes.

    Um dos mais animados é Quentin Tarantino e, por uma questão de temperamento, tende a ser exagerado. Morricone, vale lembrar, ganhou um Oscar especial e na sequência ganhou outro prêmio da Academia, dessa vez por um filme de Tarantino, Os Oito Odiados, de 2016. Ennio, o Maestro é atravessado pelo que Morricone diz a Tornatore no primeiro capítulo do livro. A inspiração não existe. Compor, por mais que se contem as histórias de Mozart menino, exige trabalho, dedicação.

    “Se existe um segredo na composição musical”, diz Morricone, “deve ser procurado no silêncio. Porque o silêncio é música. Cada som é apenas a pausa de um silêncio. Minha música parte disso, Peppuccio” – como Morricone, carinhosamente, chamava Tornatore. “Parte do silêncio e da minha admiração por dois gigantes, Johann Sebastian Bach e Igor Stravinski.”

    GRANDE AMOR

    A música estava no DNA. O pai, Mario, tocava trompete e trabalhava em diversas orquestras. Ennio tinha problemas com o instrumento e talvez com o próprio pai, um músico menor. Escreveu cerca de 400 partituras para cinema e TV, além de arranjos para canções de artistas como Gianni Morandi, e mais 100 peças clássicas. Fazia distinção entre a música de amor e a que chamava de absoluta, suas composições mais experimentais.

    Seu grande amor, o livro e o filme testemunham, podia ser a música – em termos -, mas também era a mulher, Maria, com quem se casou em 1956. Permaneceram unidos até a morte dele, em 2020. Embora a mulher não reclamasse, ele achava que tinha passado mais tempo em estúdios do que com ela, em casa. E justamente o filho, em entrevista ao Estadão, disse que a pandemia dificultou a criação de um instituto com o nome do pai, mas preservar seu legado não é só uma questão familiar. É de Estado, pelo muito que Morricone representou da Itália para o mundo.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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