• Lições (às avessas) da Escolinha do Prof. Raimundo

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  • 02/09/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Pessoas de mais idade se lembram da antiga Escolinha do Prof. Raimundo. Bruno Mazzeo, um dos filhos do Chico Anysio, a reeditou com algumas inovações nas falas e nos personagens. Vou me reportar àquela conduzida por seu pai. Sem dúvida alguma, era impressionante a criatividade de Chico Anysio na criação de tantos papeis para os alunos da Escolinha, cada um com características muito próprias. Saltava aos olhos a obtusidade mental dos alunos, exceto um, que era convocado para dar as respostas certas. O intuito era dar aos telespectadores as informações corretas sobre as perguntas feitas.

    Confesso que assisti a vários episódios da Escolinha. Nunca foi dito explicitamente, mas era uma escola para adultos, talvez noturna. Um dos personagens mais divertidos era o aluno Rolando Lero. Suas “respostas” eram absurdas, sem pé nem cabeça, mas as justificativas que ele conseguia dar para sua patetice provocava boas gargalhadas nos telespectadores, inclusive em mim. Mesmo as dicas dadas pelo Prof. Raimundo para ajudá-lo geravam respostas descabidas, após o inútil “Captei, mestre!”. Não acertava uma, e era socorrido pelo único aluno estudioso  inteligente da turma capaz de dar respostas pertinentes, que lhe causavam profunda irritação, e atenção zero para o que deveria ter respondido e aprendido.

    Havia mesmo uma aluna, vestida à moda portuguesa típica para as danças tradicionais, que era de uma burrice assustadora. Representava bem o estereótipo da piada do português burro. Ainda me recordo, nos meus tempos de juventude, de um colega me dizendo que um amigo dele, em viagem a Portugal, teria visto um carro estacionado numa ladeira com uma pedra colocada atrás da roda, e não na frente, para evitar que o carro se deslocasse. Difícil de acreditar, não é mesmo?

    Havia, ainda, nas respostas nada inteligentes insinuações sexuais. Era uma espécie de pensamento glandular, de glande, e não de glândula. Era o reino da cintura para baixo em contraposição ao uso do cérebro ponderado pelo coração. Refletia certa pobreza intelectual em matéria de pensamento com alguma substância. Ainda me lembro de um casal de americanos meus conhecidos que não entendia por que ríamos tanto das piadas da Escolinha. Talvez não percebessem esse lado excessivamente lúdico do brasileiro.  

    Quanto à burrice lusitana, os portugueses não deixaram de dar o troco. Tomei conhecimento, através de um amigo, de que lá existe a piada de brasileiro no papel de energúmeno. Convenhamos que eles têm lá suas razões. Sem me alongar, lembraria de decisões recentes no Brasil em que a inversão de valores salta aos olhos. O caso do deputado Dallagnol, cassado por unanimidade pelo TSE, dá bem a medida dessa inversão e dos interesses escusos que tomaram conta do país. Em qualquer roda de cafezinho, é praticamente impossível encontrar alguém que concorde com essa decisão.

    O problema da inversão de valores é que não funciona a longo prazo; sem esquecer seus malefícios de curto prazo. Tal inversão têm efeitos perversos nos planos social, cultural e até econômico. Tomemos o nosso caso de levar cerca de 30 anos para dominar a inflação com seus perversos efeitos sobre a piora de nossa brutal desigualdade socioeconômica. Ou o caso da Argentina, que adota reiteradamente políticas populistas na esfera econômica, e convive hoje com cerca de metade da população abaixo da linha da pobreza.

    De toda forma, a Escolinha do Prof. Raimundo ilustra bem nosso fascínio pelo humor em que asnice e conotações sexuais têm papel de destaque. O humor inteligente, muito ao gosto dos ingleses, e de quem pensa, não é lá muito prestigiado. Outros programas cômicos atuais da televisão vão na mesma direção obtusa e imprópria. Há uma certa incompetência de fazer humor como o do Agildo Ribeiro, que fazia imenso sucesso em Portugal. E certamente não era na linha de ressaltar a burrice lusitana.

    Em artigo anterior, mencionei o fato de o Brasil ter tido apenas um ganhador do prêmio Nobel, Peter Brian Medawar, na área de medicina por seus trabalhos importantes para contornar o problema da rejeição nos transplantes de órgãos. Tinha dupla nacionalidade, brasileira e inglesa, sempre tendo à mão em suas viagens seu passaporte brasileiro, como uma afirmação de sua brasilidade. Se o referido prêmio existisse antes, seria bem provável que figuras como Machado de Assis, Santos Dumont e o Barão do Rio Branco tivessem sido contemplados respectivamente nas áreas de literatura, pela invenção do avião e da paz. Mas curiosamente eram figuras mais ligadas ao nosso século XIX e inícios do XX em que a inteligência brasileira brilhava.

    A Inglaterra é conhecida por seus excelentes atores, sem desmerecer outros países que também os produziram, inclusive nós. Lembro-me de um artigo, lido há muito tempo, que falava da tradição regular das escolas inglesas de colocar os alunos à frente de sua turma para falar, declamar ou ler diante dos colegas. E que isso acabava por lhes dar desenvoltura para falar em público bem como representar. Daí a produção de seus grandes atores e atrizes. Esta não é propriamente uma tradição de nossas escolas.

    Um contra-argumento seria na linha de que a Escolinha, afinal, era um programa humorístico e que se as respostas fossem todas corretas não teria a mesma graça. Mas fica sem resposta o fato de ter dado tanto peso a alunos e alunas medíocres, uma delas até fumando em sala ao proferir bobagens seriais, e às frequentes insinuações sexuais. Era, na verdade, tudo aquilo que uma sala de aula não deveria ser. Fica evidente o baixo desempenho da turma.

    E isto num país em que a avaliação de nossos alunos nos testes internacionais nas áreas de linguagem, matemática e ciências ocupa posições vergonhosas. O próprio Bruno Mazzeo na reconfiguração da Escolinha buscou dar mais espaço à inteligência nas respostas. Mas não escapamos da conclusão de que a primazia da burrice e dos péssimos alunos, ainda que engraçados, não é o melhor caminho para um país avançar na direção almejada, a que requer escolas em tempo integral e nada semelhantes ao clima reinante na Escolinha do Professor Raimundo.    

             

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