• Lei de Igualdade Salarial: empresas correm para entregar dados em meio à disputa judicial

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  • 29/mar 08:31
    Por Carlos Eduardo Valim / Estadão

    Em meio a uma disputa judicial, críticas ao governo e temor de danos à reputação, empresas com mais de 100 funcionários correm contra o tempo para preencher e publicar os relatórios de transparência salarial, com dados dos pagamentos para seus funcionários. Elas são obrigadas a divulgar as informações até domingo, 31, conforme previsto na Lei 14.611, de julho de 2023, conhecida como Lei de Igualdade Salarial, que prevê que mulheres e homens que exerçam a mesma função recebam a mesma remuneração.

    A obrigatoriedade da entrega do relatório estava suspensa desde o dia 22, quando a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) conseguiu uma liminar na 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Belo Horizonte. Na terça-feira, 26, porém, a liminar foi derrubada, levando a uma corrida para finalizar as declarações. A Fiemg informou que vai recorrer da decisão.

    As empresas que não prestarem as informações, em sites ou redes sociais próprias até o fim do prazo, precisarão pagar multa de 3% do valor de sua folha salarial, limitada a um teto de 100 salários mínimos, ou seja, R$ 141,2 mil.

    No feriado de Páscoa e no fim de semana, a Justiça funciona em regime de plantão. Com a queda da liminar que garantiria, no mínimo, o adiamento da publicação das informações, algumas empresas buscaram ações próprias na Justiça. Entre elas estão as redes de drogarias São Paulo e Pacheco.

    Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), responsável por receber os dados, divulgou uma nova versão do relatório apenas na noite da quarta-feira, 27. Segundo a subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho, Paula Montagner, em nota, as inclusões de informações na nova versão partiram de sugestão das próprias empresas. Em alguns dos relatórios, foram encontradas pelas empresas divergências entre o CNPJ do estabelecimento e o número informado pelo governo.

    Apesar de as alterações terem sido consideradas pela Fiemg como “uma evolução que reduz os riscos para funcionários e empresa”, a entidade afirma que o relatório “ainda expõe empresas e pessoas a riscos desnecessários, que podem ter seus dados divulgados”. Foram acrescentadas informações para políticas de ampliação da diversidade e informações sobre o critério de proatividade.

    A reportagem procurou os ministérios do Trabalho e Emprego e o das Mulheres, mas não obteve resposta.

    “Quem publicou a versão antiga vai precisar fazer uma atualização, porque o novo relatório apareceu apenas no último dia antes do feriado, e as empresas que adiantaram a divulgação podem estar com a equipe já de folga e sem saber das mudanças”, afirma o advogado Domingos Fortunato, sócio da área trabalhista do escritório Mattos Filho.

    As empresas também esperam o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei, movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No entanto, o caso que está com o ministro Alexandre de Moraes, que não acatou pedido de liminar, deve ser avaliado apenas em meados de abril, em plenário, depois do prazo de entrega.

    “As empresas estão se dividindo em fazer quatro corridas diferentes. Elas escolhem entre publicar como o governo pediu, publicar junto com uma nota explicativa para tratar de eventuais discrepâncias entre relatório e dados próprios mais atualizados, judicializar a questão ou simplesmente não publicar nada e aguardar a decisão do STF”, diz Fortunato.

    Para as empresas de maior porte, a multa de até R$ 141,2 mil acaba não tendo um grande impacto financeiro e justificaria evitar riscos para a imagem, caso uma informação de uma diferença salarial grande entre homens e mulheres, e entre brancos e negros, seja exposta.

    Reclamações das empresas

    A Fiemg afirmou que vai recorrer da decisão da presidente do TRF-6, desembargadora federal Monica Jacqueline Sifuentes, que suspendeu a liminar. “Estamos defendendo a sociedade, para evitar que seus dados sejam expostos e usados para meios indevidos. Não entendemos o sentido de publicar dados específicos de renda, tanto de homens quanto de mulheres”, afirmou o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, por meio de nota.

    “Defendemos a meritocracia, sim, para ambos os gêneros, e defendemos a igualdade para todos, independente de gênero, raça, idade. Estamos confiantes de que vamos obter êxito no final de todas essas demandas judiciais.”

    Um dos primeiros questionamentos levantados pela obrigatoriedade de publicar os dados salariais é se poderia ferir o princípio de direito ao sigilo quanto à remuneração, à Lei Geral de Proteção de Dados ou se poderia trazer um risco concorrencial, uma vez que a estrutura de custos de uma empresa poderia ser exposta para concorrentes.

    No entanto, segundo especialistas, essas preocupações diminuíram depois do conhecimento sobre o conteúdo do relatório, que não inclui informações sobre valores em reais, mas, sim, diferenças salariais em porcentagens.

    Outras reclamações envolvem a qualidade dos dados divulgados. Parte das informações são retiradas de dados já prestados pelas empresas para o e-Social de 2022, sendo que dados do ano passado já estão disponíveis e são mais atualizados.

    “As informações que estão vindo com dados de 2022 acabam criando uma distorção muito grande para as empresas, porque não são atualizadas” diz o advogado Cristian Divan Baldani, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados.

    “Além disso, não levam em consideração os critérios para pagamentos de salários diferentes e são classificadas em grupos muito grandes da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). É um pouco complicado por não endereçar a peculiaridade de cada empresa. Ficou muita incerteza, muita insegurança, por que a publicação de uma informação pode criar um dano reputacional para as empresas.”

    Os dados prestados são separados em cinco categorias de CBO: dirigentes e gerentes, profissões e ocupações de nível superior, técnicos de nível médio, trabalhadores de serviços administrativos e trabalhadores em atividades operacionais. As empresas reclamam que, dessa forma, não são separados os salários de departamentos diferentes, que podem ter grande diferença de remuneração ou não considerados os critérios de senoriedade e meritocracia.

    “Há discussões de como a metodologia adotada agrupou as informações. São agrupamentos superamplos da CBO, e as informações de 2022 não refletem a realidade de hoje”, afirma o advogado Mauricio Guidi, sócio da área trabalhista do escritório Pinheiro Neto Advogados.

    “Temos dito aos clientes que, antes de buscar uma liminar, é melhor olhar se não há erro de informações ou no CNPJ. Discutir o mérito da lei é difícil. É uma questão legítima, e está declarado na Constituição que tem de se buscar a igualdade. Essa prestação de informações deve ser a primeira de uma série de medidas de uma grande política.”

    As empresas terão de atualizar as informações semestralmente, segundo a nova lei. A igualdade já estava prevista na Constituição, mas o cumprimento das regras não era fiscalizado. A partir de agora, o MTE fará o que chama de “relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios” com base nos dados do e-Social, que são informados regularmente pelas empresas.

    Eles incluem, de forma anônima, o valor da remuneração de cada funcionário, salário contratual, 13.º salário, gratificações, comissões, horas extras, adicional noturno e até gorjetas.

    Em evento na segunda-feira, 25, os ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres apresentaram o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios. Ele foi elaborado a partir dos dados do e-Social, da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022 e das informações preliminares dos relatórios, enviadas por 49.587 empresas que responderam ao MTE até 8 de março.

    Esses dados iniciais mostravam que as mulheres ganham 19,4% a menos que os homens no Brasil, sendo que a diferença varia de acordo com o grupo ocupacional. Em cargos de dirigentes e gerentes, a diferença chega a 25,2%.

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