Lé com lé, cré com cré
No momento em que você lê estas palavras, seus olhos passam pelo artigo coletando padrões aos quais sua mente atribui significado. Enquanto isso, seu coração se contrai e relaxa, o diafragma sobe e desce, controlando a respiração, os músculos das costas se tencionam para manter a postura e milhares de outros aspectos básicos da vida consciente, subconsciente e inconsciente continuam presentes. O suporte físico para toda essa atividade são aproximadamente 86 bilhões de neurônios e número equivalente de células de apoio no interior do crânio. Para neurocientistas, mesmo o ato de ler um artigo é uma façanha maravilhosa, cuja possibilidade merece ser agradecida e, talvez, explicite um problema complexo da ciência: ainda não conseguimos explicar completamente como o cérebro humano atua e por que um macaco não é capaz de raciocinar como nós.
Já escrevi vários artigos sobre a importância do cérebro no comando e na cura do nosso corpo. Se algum de vocês leitores quiser esses artigos, me mande um e-mail, que terei muito prazer em encaminhá-los. Sancho Pança em determinado ponto do livro Dom Quixote, de Cervantes, tenta convencer sua mulher sobre a importância de casar sua filha com uma pessoa rica e com poder. “- Contenta-te com o teu estado, Sancho – respondeu Teresa Pança, e não te queiras levantar a outros maiores e lembra-te do rifão que diz: lé com lé e cré com cré. Com um igual é que ela estará bem casada e sempre a teremos aqui debaixo das nossas vistas e seremos todos um, pais e filhos, netos e genros, e andará entre nós a paz e a benção de Deus, o que vale mais do que ires tu casá-la aí nessas cortes e palácios grandes, onde nem a entendem, nem ela se entende.” São papos de lavradores que a todo momento aparecem no livro de Cervantes, pois, pelo taoísmo aprendemos que quem é lé pode se tornar um cré e vice-versa e, assim, quem é tolo hoje pode se tornar sábio amanhã. “Todos os dias o Mullah Nasrudin ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam vê-lo fazendo o papel de tolo, com o seguinte truque: mostravam duas moedas, uma valendo dez vezes mais que a outra. Nasrudin sempre escolhia a menor. A história correu pelo condado. Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e Nasrudin sempre ficava com a menor.
Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse: – Sempre que lhe oferecerem duas moedas, escolha a maior. Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros. – O senhor parece ter razão, mas se eu escolher a moeda maior, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro para provar que sou mais idiota que elas. O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei usando este truque. Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente. Às vezes, é de muita sabedoria se passar por tolo e é muito melhor passar por tolo e ser inteligente do que ter inteligência e fazer tolices.” – conto árabe. Assim é.
Nossas vidas são intercaladas de momentos de tolices e de sapiências. “Um tolo acha que ele é sábio, mas o homem sábio sabe que é um tolo.” – William Shakespeare. Se analisarmos o valor de uma atitude devemos considerar basicamente três aspectos: a ética, a sabedoria e a intenção. Nosso cérebro a processa e a nossa consciência a julga. É um fenômeno de dentro para fora que tem como combustível a nossa luz interior. Devemos ter paciência ao julgar, pois cada um está num degrau da escada da evolução espiritual e, assim, tem a sua própria verdade. Além disso, devemos agradecer o fato de dividirmos um espaço com outros seres que são nossos contemporâneos.
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