
A Justiça Federal de Petrópolis condenou quatro pessoas e uma empresa por improbidade administrativa pelo desvio de verbas públicas destinadas à recuperação de escolas na Região Serrana do Rio de Janeiro. A decisão foi proferida em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), com participação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A sentença foi assinada na última semana.
Os recursos haviam sido repassados após a tragédia climática de janeiro de 2011, considerada um dos maiores desastres naturais da história do país. A sentença determinou o ressarcimento integral e solidário de quase R$ 1,5 milhão aos cofres públicos, além da aplicação de multas civis, perda de função pública, suspensão de direitos políticos, proibição de contratar com o poder público e indenização por dano moral coletivo.
“Foram gravíssimas as condutas adotadas pelos réus (…), eis que, valendo-se da situação de calamidade pública instaurada em decorrência do desastre climático que acometeu o município de Petrópolis, agiram de forma consciente e voluntária com o propósito de desviar recursos públicos destinados, justamente, à mitigação da situação caótica vivenciada. Para tanto, promoveram deliberadamente um ambiente de desorganização administrativa, omitindo a devida documentação dos atos executados e prestando declarações materialmente falsas, tudo com o intuito de viabilizar o desvio de verbas públicas, em flagrante prejuízo ao interesse coletivo, já severamente atingido pela tragédia”, escreveu o juiz federal substituto João Paulo Castelo Branco.
Tragédia e repasse emergencial
Em resposta à calamidade que devastou cidades da Região Serrana em 2011, o FNDE transferiu recursos emergenciais à Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc), que descentralizou parte dos valores para a Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). O objetivo era realizar obras de recuperação em escolas atingidas.
No entanto, a ação de improbidade apontou irregularidades graves na aplicação desses recursos em duas unidades de ensino de Petrópolis: a Escola Estadual de Araras – que sequer foi danificada – e o CIEP 472 Cândido Portinari, em Itaipava.
As investigações mostraram que, apesar de os repasses emergenciais terem sido justificados com base na tragédia, ambas as escolas já estavam sendo reformadas com recursos federais desde 2010. As obras em andamento foram então substituídas por contratos emergenciais, firmados sem licitação com a Engeproc Construtora Ltda. Segundo a ação, a empresa era administrada pela mesma pessoa que comandava a construtora anteriormente contratada.
Além de sobreposição de serviços, foi comprovado o pagamento por obras não executadas. A responsável técnica assinou documentos sem realizar a devida fiscalização, e o então diretor de Obras da Emop foi apontado como peça central no esquema, ao indicar a empresa, recomendar pagamentos e atestar falsamente a execução dos serviços.
Sanções impostas
Três pessoas foram absolvidas por falta de provas, mas a Justiça Federal condenou quatro indivíduos e a Engeproc a ressarcirem integralmente o dano ao erário: R$ 255 mil referentes à Escola Estadual de Araras e R$ 170 mil ao CIEP 472, em valores da época, ainda sujeitos a atualização.
As demais penalidades aplicadas foram:
- Multa civil equivalente ao valor do dano para a empresa e três dos réus;
- Perda da função pública para dois ex-servidores (caso ainda ocupem cargos);
- Suspensão dos direitos políticos por oito anos para três condenados;
- Proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, por cinco anos, para a empresa e três pessoas;
- Pagamento de R$ 500 mil, a título de indenização por dano moral coletivo, a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.
“É importante ressaltar que a situação de calamidade pública não pode ser utilizada como um escudo, dispensando os envolvidos do dever de motivar seus atos, manter controle documental, realizar prestação de contas e observar a destinação específica dos recursos públicos. Ainda que as complexas condições de gestão existentes imediatamente após a tragédia climática ensejassem a adoção de medidas excepcionais e a flexibilização de determinados procedimentos administrativos, tais circunstâncias jamais poderiam ser interpretadas como carta branca para a prática de atos dolosos de improbidade, desonestos e arbitrários por parte dos envolvidos”, afirmou o magistrado.
O que dizem os réus
A defesa da empresa Engeproc Construtora, de João Baptista Pessoa de Assis (representante da empresa) e de Susane Erica Herschdorfer Pessoa de Assis (responsável técnica da empresa) negou veementemente qualquer tipo de ilegalidade na aplicação da referida verba. A defesa também informou que ingressará com os recursos judiciais cabíveis, “confiando que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região dará o adequado desfecho ao caso, assim como já o fez nos demais processos julgados em segunda instância sobre a questão.
A reportagem não conseguiu retorno dos advogados dos dois ex-servidores públicos envolvidos.
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