Juiz quebra sigilo bancário de ex-assessor de Humberto Costa por suspeita de fraudes no leite
A Justiça Federal em Pernambuco decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Ademilton de Góes Bezerra Filho, ex-assessor parlamentar do senador Humberto Costa (PT-PE). Ademilton é suspeito de integrar organização criminosa que teria desviado R$ 100 milhões por meio de fraudes do Programa Leite de Todos – projeto gerenciado pelo governo estadual para fornecimento do produto na merenda de alunos da rede pública de ensino. Humberto Costa não é investigado, nem citado por nenhum envolvido na Operação Desnatura.
Na quarta-feira, 2, agentes da Polícia Federal fizeram buscas em endereços do ex-assessor do petista. A devassa nas contas de Ademilton foi ordenada pelo juiz Tiago Antunes de Aguiar, da 24ª Vara Federal de Pernambuco. O magistrado também autorizou a PF a acessar comunicações de Ademilton – e-mails e conversas por aplicativos de celular.
Ademilton exerceu o cargo de auxiliar parlamentar do senador petista em três períodos distintos – o último encerrado em abril de 2023. Costa confirma a ligação profissional com Ademilton, mas afirma não ter conhecimento de qualquer atividade ilícita. O senador diz apoiar “a rigorosa apuração dos fatos por parte das autoridades competentes”.
Segundo a investigação, Ademilton, enquanto chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário de Pernambuco, integrava organização criminosa e teria recebido valores ilícitos “mediante o uso de uma cooperativa de fachada para firmar contratações através de processos de inexigibilidades de licitações”.
A primeira etapa da Operação Desnatura – desencadeada em junho passado – revelou evidências de adulteração do leite oferecido às crianças e adolescentes da rede pública, além de desvios de R$ 100 milhões. Ao requerer autorização judicial para a segunda fase da Desnatura, a PF apontou suspeitas sobre Ademilton.
Os investigadores sustentam que o esquema do qual ele seria um dos principais integrantes incluía lavagem de dinheiro e crime contra a saúde pública, “constatando a baixa qualidade do produto e utilização de produtos proibidos no leite que podem causar danos à saúde humana”.
Conflito de interesses
A investigação aponta irregularidades em pagamentos a cooperativas, com suposto favorecimento da Coopeagri, da Coopepan e da Integrar por parte de Ademilton. A PF indica que as cooperativas seriam “fachadas” para contratações sem licitação
A decisão afirma, por exemplo, que conversas encontradas no aparelho telefônico de Geraldo Lobo, diretor financeiro da empresa Natural da Vaca Alimentos Ltda, investigada na operação, “indicam fortes indícios de que Ademilton favorecia as entidades contratadas e sob comando da organização criminosa”.
“Ademilton era acionado para efetuar os pagamentos das cooperativas, principalmente a Coopeagri, resolvendo as demandas trazidas por Geraldo”, diz a investigação.
Ademilton ainda tinha “vínculo empresarial com Paolo Avalone, sócio-administrador da Natural da Vaca.
Segundo o juiz Tiago Antunes de Aguiar, da 24ª Vara Federal de Pernambuco, Ademilton compõe “o quadro societário da Nutrir Comércio Ltda, chamando atenção o fato de um então servidor do alto escalão da Secretaria de Desenvolvimento Agrário ter sociedade com uma pessoa que era o principal fornecedor da mesma pasta.”
O ex-chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Agrário deveria ter pago R$ 250 mil para aquisição das cotas da empresa, mas a movimentação financeira sob análise não apresenta esse aporte. Ou seja: aparentemente Ademilton se tornou sócio gratuitamente.
Organização criminosa
A decisão do magistrado de Pernambuco aponta que “há indícios fortes de uma organização criminosa” liderada pelos empresários Paolo Avallone e Francisco Garcia Filho, sócios majoritários da Natural da Vaca e da Planus Administração e Participações.
Estariam envolvidos também, como “gerentes” da organização, os funcionários da Planus Geraldo Fernandes Lobo Nogueira e Domingos Sávio Neves Tavares. Severino Pereira da Silva seria um “testa de ferro” no grupo.
Os servidores públicos envolvidos seriam, segundo o documento, Ricardo Luiz de Oliveira Souza, ex-gerente do Programa Leite de Todos, Ademilton de Góes, ex chefe de gabinete da Secretaria de Desenvolvimento Agrário e Ruy Carlos do Rego Barros Ramos Junior, atual servidor da Secretaria de Desenvolvimento Agrário. “Desde o início das investigações, causou estranheza, considerando o longo tempo em que a contratação está vigente e a monta dos valores despendidos à Coopeagri, o fato de a Secretaria de Desenvolvimento Agrário mostrar-se ignorante quanto às circunstâncias em que estava ocorrendo a execução contratual”, aponta a decisão.
Segundo o documento, a organização criminosa estaria “estruturada em núcleos de atuação com viés na prática de cada um dos crimes específicos, tendo se perpetuado ao longo do tempo, considerando que os fatos sob suspeita remontam ao ano de 2014 e mantêm-se até os dias atuais”.
Com a palavra, Ademilton Góes
O Estadão entrou em contato com Ademilton Góes antes do fechamento desta reportagem, mas não obteve retorno dos questionamentos. O espaço permanece aberto para sua manifestação
Com a palavra, o senador Humberto Costa
Ao Estadão, a assessoria do senador Humberto Costa confirmou que “o senhor Ademilton de Góes Bezerra Filho foi assessor no gabinete do senador Humberto Costa, escritório Recife, por três períodos: 04/02/2011 a 31/07/2011; 26/11/2012 a 11/01/2019; e 16/03/2021 a 03/04/2023, nesta última oportunidade exercendo o cargo de Auxiliar Parlamentar Pleno (AP-07)”.
Reiterou, no entanto, que “o senador Humberto Costa desconhece o conteúdo do inquérito em curso, mas, como sempre fez em sua vida pública, apoia a rigorosa apuração dos fatos por parte das autoridades competentes”. Acrescentou ainda não ter conhecimento de que Ademilton era sócio de uma empresa que prestava serviços ao poder público ou de qualquer outra irregularidade no programa.
Com a palavra, o ex-secretário Dilson Peixoto
A equipe do Estadão falou também com o ex-secretário de Desenvolvimento Agrário de Pernambuco Dilson Peixoto, que foi ouvido na investigação da Polícia Federal e é citado na decisão do juiz, mas não aparece como um dos acusados. Segundo a decisão, Ademilton teria usado a senha do secretário para aprovar pagamentos; Dilson, no entanto, afirma que isso não aconteceu. Ademilton, enquanto era meu chefe de gabinete, agiu como qualquer chefe de gabinete. “Nunca fez qualquer pagamento utilizando a minha senha.”
Ele afirma que “os pagamentos da Coopeagri e dos demais fornecedores da Secretaria eram feitos mediante programação financeira previamente acertada com a Secretaria da Fazenda do Estado e após todos os pareceres técnicos” e reforça que “jamais” teve ciência de qualquer irregularidade, seja na contratação das cooperativas, seja na qualidade do leite”.
“Inclusive quanto a qualidade do leite, lembro que chegamos a contratar o ITEP (Instituto de Tecnologia do Estado) em 2019 para que fosse feita análise específica do leite, o que confirmou a qualidade. O único período que as análises foram suspensas foi durante a pandemia da covid 19. Pois os laboratórios suspenderam seus serviços. Pelo Convênio do Programa, os latifúndios tinham a responsabilidade de entregar os resultados das análises. Os resultados eram mensalmente fornecidos. Com exceção do período da pandemia”, reforçou.
“Quanto à fiscalização da qualidade, seguimos os ritos previstos no Convênio”, disse, acrescentando que “não há qualquer registro de algum beneficiário do programa que tenha adoecido em função do consumo do leite”.
O ex-secretário ainda alegou que a contratação das cooperativas aconteceu antes do período em que foi secretário, e que “as investigações e a própria auditoria do TCE (que serviu de referência para as investigações da PF), foram feitas após a minha saída do governo”. Dilson Peixoto deixou a secretaria em 31 de janeiro de 2021. Hoje atua como secretário parlamentar do senador Humberto Costa.
Com a palavra, as empresas citadas
A reportagem busca contato com as empresas citadas na matéria. O espaço fica aberto para sua manifestação.