Jessica Nelson: ‘Manuscrito testemunha o processo criativo’
Jessica Nelson, editora – PING
Como você seleciona os manuscritos que publica?
Começamos pelos autores que admiramos, é claro. Jean Cocteau, por exemplo, é um dos escritores favoritos da casa. Pessoalmente, eu o descobri e me apaixonei por ele quando era adolescente, e ele nunca deixou de me acompanhar desde então. Nicolas (Tretiakow, também editor) sempre foi um admirador fervoroso de Boris Vian. Em seguida, surgem outras questões: o manuscrito da obra existe? Onde está conservado e em que condições? O documento foi digitalizado? Quais permissões precisamos obter? A partir do momento em que localizamos o manuscrito, muitas vezes começa uma longa aventura com mil perguntas e desafios.
Houve algum trabalho que não foi possível reproduzir o manuscrito? Por quê?
Alguns manuscritos antigos representam desafios reais em termos de reprodução. Levamos mais de dois anos para conseguir editar a Bíblia Historial e sua iluminuras, um manuscrito excepcional conservado na Biblioteca Britânica em Londres. Mas alguns outros apresentam ainda mais dificuldades (estou pensando, por exemplo, no manuscrito de Ligações Perigosas, muito danificado). E outros são simplesmente impossíveis de encontrar (os de Shakespeare) porque foram, sem dúvida, destruídos.
Existem alguns detalhes que nos dizem mais coisas e isso só é visível nos manuscritos?
Com certeza! Os manuscritos são testemunhos únicos do processo criativo. A crítica genética (a comparação entre o manuscrito e a versão final) é uma disciplina muito dinâmica. No caso de Clarice Lispector, foi fascinante observar sua escrita circular, as diferentes versões que existem do início e do final de A Hora da Estrela e as páginas de anotações feitas na hora pela escritora, e que precisaram ser posteriormente organizadas e integradas ao texto por Clarice e sua secretária. Vemos também uma confusão de pronomes entre Clarice e seu narrador, o que implica uma identificação entre a escritora e sua personagem – uma perspectiva de leitura que diz muito.
Já existem outros autores brasileiros em seus planos? É possível dizer um nome?
Sim, temos vários nomes e manuscritos em mente, revelaremos quais em breve.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.