Irmãos Batista não assumem Amazonas Energia, MP perde a validade e intervenção volta ao radar
Os irmãos Joesley e Wesley Batista não assumiram o controle da Amazonas Energia, distribuidora de energia elétrica do Estado, no prazo da medida provisória do governo Lula que beneficiou um negócio da dupla. A Âmbar, empresa do Grupo J&F, que pertence aos irmãos Batista, tentou comprar a companhia amazonense, mas o negócio foi travado por um impasse na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e a medida perdeu a validade.
A operação custaria R$ 14 bilhões para os consumidores da conta de luz de todo o País. Agora, o governo e a agência reguladora devem discutir uma intervenção na distribuidora. A medida provisória teve o prazo de vigência encerrado nesta quinta-feira, 10, e não poderá mais gerar os benefícios previstos. A empresa tentava uma análise da Aneel até o último dia, mas o relator do processo, Fernando Mosna, se declarou suspeito para julgar o pedido e o caso ficou parado.
A Justiça Federal do Amazonas obrigou a Aneel a realizar a transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista. A decisão levou o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, a autorizar o negócio individualmente, sem aval dos outros diretores. A Âmbar, no entanto, queria ter o respaldo técnico e administrativo do órgão regulador, e não ficar “pendurada” apenas na decisão judicial, que pode se revertida e criar um impasse jurídico na operação.
A empresa ainda pode considerar a assinatura de um contrato depois do prazo de validade da MP, ancorada na decisão judicial e no despacho do diretor-geral da Aneel que foram publicanos durante a vigência da medida provisória. Tanto integrantes da agência quanto executivos da empresa, no entanto, duvidam da validade jurídica de uma transferência depois dessa data. A consultoria jurídica da Aneel publicou um parecer afirmando que os benefícios da MP só seriam válidos se o contrato fosse assinado durante a vigência da norma.
A área técnica e diretores da agência reguladora se opuseram ao plano da empresa, exigindo aportes maiores do grupo para limitar o custo ao consumidor a R$ 8 bilhões. Ao longo do processo, os consultores da Aneel apontaram que a empresa do grupo J&F não demonstrou capacidade técnica no segmento de distribuição, que é o negócio da Amazonas Energia. Além disso, a área técnica concluiu que a proposta da companhia não era suficiente para resolver os problemas da distribuidora amazonense e colocar as contas em dia, além de representar um custo alto para o consumidor.
A empresa não concordou com as condições aprovadas pela área técnica e pelos diretores da Aneel. “A excelência na prestação de serviços para o consumidor de energia é uma premissa fundamental da Âmbar Energia para assumir a Amazonas Energia”, disse a companhia dos irmãos Batista na quarta-feira, 9. “Essas condições só podem ser atingidas caso a Aneel garanta as seguranças jurídica e econômica necessárias, por meio da aprovação do plano de transferência de controle apresentado pela Âmbar.”
Irmãos Batista seguem beneficiados por contratos de usinas termoelétricas
O Grupo J&F ainda ficou com um benefício conquistado pela MP, pois comprou usinas termoelétricas da Eletrobras que fornecem energia para a distribuidora do Amazonas e que tiveram o prejuízo coberto pela medida. Esse foi o negócio prioritário da dupla, antes mesmo da proposta de assumirem a empresa amazonense. O benefício, no entanto, pode ser não totalmente usufruído. A transformação dos contratos também foi autorizada pelo diretor-geral da Aneel, mas poderá ser anulada porque ficou ancorada na mesma decisão da Justiça do Amazonas. Além disso, a compra da Amazonas Energia entrou na negociação entre a Eletrobras e a Âmbar e não foi efetivada.
Os contratos das usinas compradas pelos irmãos Batista vão encarecer a conta de luz de famílias de baixa renda no País, de acordo um estudo da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, conforme o Estadão revelou. Além disso, vão aumentar as tarifas para todos os consumidores das regiões Norte e Nordeste e impactar a indústria, que tende a repassá-lo para o preço dos produtos. Os custos calculados por operadores do mercado de energia variam de R$ 2 bilhões a R$ 2,7 bilhões por ano.
Como o governo Lula beneficiou os irmãos Batista no setor de energia
O governo Lula beneficiou os irmãos Batista com uma medida provisória 72 horas após a Âmbar comprar usinas termoelétricas que pertenciam à Eletrobras e que vendem energia para a Amazonas. A distribuidora não paga pelo que compra e acumula dívidas. A MP do governo bancou o prejuízo com a conta de luz. Além disso, repassou o custo da distribuição para todos os consumidores de energia durante 15 anos. Com a benesse, a Âmbar não só comprou as usinas como também fez uma proposta para assumir a Amazonas.
A Amazonas Energia enfrenta uma série de problemas no Estado, como furto de energia (o chamado “gato”), custos operacionais que não se pagam e dinheiro irrecuperável de consumidores inadimplentes. Esses “buracos” seriam bancados por todos os consumidores, que deveriam pagar mais na conta de luz para subsidiar a operação. Isso ainda pode acontecer com uma intervenção do governo federal, mas as condições ainda devem ser estabelecidas pela Aneel.
Além dos custos futuros, há uma dívida que supera R$ 11 bilhões do passado. A Aneel exigia que a empresa pagasse as dívidas e se comprometesse com metas maiores para resolver os problemas mais rapidamente e diminuir o custo ao longo do tempo, o que não ocorreu. A Âmbar se comprometeu a pagar um valor suficiente para diminuir a dívida em níveis aceitáveis, o que demandaria um aporte de R$ 8,5 bilhões ainda em 2024.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pressionou a Aneel para realizar a transferência, conforme o Estadão revelou. O chefe da pasta acusou a agência de estar boicotando o governo Lula – os quatro diretores da Aneel foram indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Silveira foi um defensor público da venda da Amazonas Energia, alegando que, se o controle da empresa não fosse repassado, o governo teria que intervir na operação com dinheiro do orçamento público, bancado pelo contribuinte. Conforme a reportagem também revelou, executivos da Âmbar foram recebidos 17 vezes no ministério antes da edição da medida.