• Íntima fuligem

  • 01/02/2019 10:10

    Íntima fuligem: caverna e clareira, o novo livro de poesia de Astrid Cabral (Manaus: Editora Valer, 2017; prefácio de Alexei Bueno), é um volume em que a solidão se elege em acompanhamento principal de quem – no seu caso – perdeu o marido (o poeta Afonso Félix de Sousa) e um dos filhos. Mas não somente: junto com a solidão, vem a tristeza dos atos irrecorríveis, a constatação de uma vida que de agora em diante é sofrimento e mais sofrimento à medida que os dias passam inexoráveis. Em todas as seis partes do livro, está presente sua companheira, a solidão, ainda que por vezes atenuada – mas até nessa companhia haverá sempre, subrepticiamente, a tristeza impondo sua presença, alternando bons e maus retoques de vida emocional – a caverna e a clareira do subtítulo. A primeira parte, Solidão por companhia, abre com o poema ‘Coração em réquiem’, cujo dístico final é simbólico e paradigmático: “Sepulcro de pétalas / o jardim de ontem.” O belo poema ‘Alucinante voo’ faz, com admirável força, o registro das forças da natureza que nos prendem contra nossa vontade. ‘Aonde’ é uma triste elegia em que se deplora a perda da juventude. Em ‘Tatuada de sombras’ Astrid  indaga onde estarão seus três mortos queridos: o pai, o filho e o marido. Mais adiante, considera que a perda do marido a faz viver em “chão de exílio”. A segunda parte, Vizinhança do mistério, apresenta algum assomo metafísico ao que escreve, sobretudo nos melhores poemas: ‘Ilhas invisíveis’, ‘Futuro’, ‘Sonhando para trás’, ‘Radiografia’ e ‘Marcha a ré’. Na terceira parte, Arredores da morte, a velhice é focalizada como antecipação da finitude, principalmente em ‘Quando o rio vier’, ‘Parentesco cósmico’, ‘Prévia’, ‘Derradeiras proezas’, ‘Esqueletos’, ‘Quedas’, e ‘Tríptico da velhice’. E importante será a ‘Pequena série de grinaldas’, mormente os poemas sobre Lélia Coelho Frota, a tia Lucy e a quadrinha exata e enxuta ao (nosso) amigo Ivan Junqueira. A quarta parte, Longe das sombras, analisa o estar-no-mundo de Astrid, com instantes bastante críticos, como os dos poemas ‘Dor’, ‘Apelo’, ‘Rainha do lar’ e o humorístico ‘Hierarquias’, além do belo ‘Ruínas’ e do admirável ‘Retrato’. Segundo Alexei Bueno, na quinta parte, Coração malabarista, é a “persistência do ser em meio ao vácuo crescente”, o que podemos entender como o corpo, o amor físico ressurge de modo mais explícito em poemas como ‘Fusão’, ‘Clímax’ e ‘União’, afora ‘Encontro sem data’ e ‘Amor recolhido’. A parte final, Arremedos de alegria, Astrid Cabral compõe alguns dos melhores poemas do livro, como forma de interessar os elementos da natureza em sua solidão. Primam pela excelência os poemas ‘Mulher’ (valioso pela concisão e força poética), ‘Exercícios de finitude’, e dois outros, ‘De olhos fechados’ e ‘Declaração de amor’, o primeiro dedicado ao pai, ao marido e ao filho morto. E este também é lembrado no último, lindo soneto de amor. É imperioso ler inteiro este livro para satisfação intelectual.

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