• Ingrid Bergman, a estrela que desafiou Hollywood para viver um grande amor

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  • 29/08/2022 15:39
    Por Luiz Carlos Merten , Especial para o Estadão / Estadão

    Yasujiro Ozu, o mestre minimalista do cinema japonês, nasceu e morreu no mesmo dia – 12 de dezembro de 1903/12 de dezembro de 1963. Por mais raro que isso possa ser, existe pelo menos outro caso notável na história do cinema. Ingrid Bergman também nasceu e morreu em 29 de agosto, de 1915 e 1982. Completam-se nesta segunda-feira 40 anos da morte da grande atriz. Ingrid tinha 67 anos. Nasceu em Estocolmo e, muito cedo, ficou órfã de pai e mãe. Criou-a o tio, irmão de seu pai. Providenciou o conforto material, mas não o afeto. Em 1931, aos 16 anos, ela resolveu que queria ser atriz e foi admitida, como bolsista, no Teatro Real Dramático.

    Estreou no cinema em 1934, com um filme pouco visto fora da Suécia – O Conde de Munkbro. Mesmo assim, o diretor Gustav Molander notou-a e passou a lhe atribuir papeis maiores. Em 1936, colheu um grande êxito com Intermezzo, a história de uma pianista que se envolve com violinista casado e vive à sombra dele, sem expectativa de uma união estável. O filme repercutiu até em Hollywood. Ingrid foi chamada para fazer o remake norte-americano – Intermezzo, Uma História de Amor, de Gregory Ratoff, de 1939, com Leslie Howard no papel do amante originalmente interpretado por Gosta Ekman. Entre um e outro filmou na Alemanha nazista. Havia-se se casado com um dentista, o Dr. Peter Lindstrom.

    O marido não a acompanhou nos EUA, e ela voltou correndo para casa. Dizia que não tinha interesse numa carreira internacional. O produtor David Selznizk, de …E o Vento Levou, não desistiu de tê-la sob contrato e com venceu o Dr. Lindstrom a migrar para a Califórnia. O resto é história, e Ingrid ocupou o trono que outra sueca estava deixando vago – Greta Garbo desistiu do cinema em 1941. Rapidamente emendou grandes sucessos – Casablanca, de Michael Curtiz, Os Sinos de Santa Maria, de Leo McCarey, e Arco do Triunfo, de Lewis Milestone.

    Transformada em estrela, seguiu fazendo filmes de prestígio – O Médico e o Monstro, a versão de Victor Fleming, Por Quem os Sinos Dobram, de Sam Wood, baseado no romance de Ernest Hemingway, Mulher Exótica, também de Wood.

    Em 1944, ganhou o primeiro Oscar de melhor atriz pelo mistério gótico À Meia Luz/Gaslight, de George Cukor, como mulher que o marido quer internar como louca. Fez o primeiro de uma série de agradecimentos que marcaram época no Oscar. O grande vencedor do ano foi O Bom Pastor, de McCarey, com Bing Crosby, a mesma equipe com quem estava filmando Os Sinos de Santa Maria. “Se eu não recebesse esse prêmio não me aceitariam amanhã no set”, brincou.

    Em 1948, aos 33 anos, foi a Joana D’Arc de Victor Fleming, interpretando a Donzela de Orleãs, que morreu na fogueira aos 19. Estava cansada da vida de estrela, dos papeis, do glamour. Assistiu a uma sessão de um filme italiano que estava dando o que falar. Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini, anunciava um novo movimento, o neorrealismo. Impressionada, Ingrid escreveu uma carta a Rossellini oferecendo-se para trabalhar com ele.

    Rossellini preparava Stromboli, que seria interpretado por Anna Magnani. Ofereceu o papel a Ingrid, o que originou a chamada ‘guerra dos vulcões’. Despeitada, Anna fez Volcano, sob a direção de William Dieterle. Stromboli é sobre refugiada que se casa com pescador e vive com o marido numa ilha precária, onde o vulcão do título entra em erupção. O filme metaforiza a busca pela ascese religiosa e a explosão dos sentimentos, temas caros ao gigante do neorrealismo. A guerra dos vulcões foi o de menos. Rossellini sempre teve a fama de ser um homem sedutor. Seduzida por ele, Ingrid abandonou Hollywood, o marido e foi viver na Itália. Já teria sido um escândalo a maior estrela de Hollywood contracenar com um pescador sem nenhuma experiência. A separação foi a gota d’água. Stromboli foi boicotado e remontado para o mercado norte-americano, um pouco como It’s All True/É Tudo Verdade, de Orson Welles, havia sido anos antes.

    Ingrid seguiu filmando com Rossellini. Nós Mulheres, La Paura, Viagem na Itália – inicialmente lançado como Romance na Itália, no Brasil -, Joana D’Arc na Fogueira. Na França, Cahiers du Cinéma saudava cada um desses filmes como obra-prima. Rossellini era um dos autores viscerais que impulsionavam os jovens críticos, futuros autores, François Truffaut e Jean-Luc Godard. Em meados dos na os 1950, Rossellini foi à Índia para filmar o documentário de mesmo nome. Voltou casado com uma indiana, Sonali Das Gupta. Como num enredo de telenovela, Ingrid não aceitou a rejeição e declarou guerra ao ex-marido. Tomou a guarda dos filhos, bloqueou seus parcos bens. Voltou ao teatro e colheu um grande sucesso, em Paris, com a montagem de Chá e Simpatia, que Vincente Minnelli filmaria com Deborah Kerr.

    Tag Gallagher, em sua monumental biografia de Rossellini, conta como ele foi atrás dela, e dos filhos, na França. Sem dinheiro, foi amparado pelos discípulos da nouvelle vague, que lhe pagaram o hotel, as refeições. Ingrid, de volta a Hollywood – na verdade, o filme foi rodado na Inglaterra -, ganhou seu segundo Oscar por Anastásia, a Princesa Esquecida, de Anatole Litvak, em 1956. “Obrigado por me aceitarem de volta”, agradeceu. No mesmo ano filmou com Jean Renoir – Elena et les Hommes/As Estranhas Coisas de Paris. Voltou ao cinemão – A Morada da Sexta Felicidade, de Mark Robson, Mais Uma Vez Adeus, de novo com direção de Litvak, O Rolls-Royce Amarelo, de Anthony Asquith.

    Em 1974, ganhou o terceiro Oscar – como coadjuvante – como a missionária de Assassinato no Orient-Express, que Sidney Lumet adaptou de Agatha Christie. Surpreendeu meio mundo ao dedicar o prêmio a Valentina Cortese, indicada como a diva de A Noite Americana, de François Truffaut. “Esse prêmio deveria ser seu, Valentina.”

    Reinstalada no trono como top star, Ingrid seguiu filmando – a inócua comédia Flor de Cacto, o papel da premier israelense Golda Meir numa prestigiada série de TV. O último grande papel foi de volta à Suécia, sob a direção de Ingmar Bergman. Sonata de Outono, 1978. Apesar do sobrenome, não tinham nenhum parentesco. Ingrid faz a mãe, grande pianista, que reencontra a filha, de quem se distanciou. Liv Ullman cresceu insegura e carente, sem a atenção dessa mãe – a própria Ingrid? A filha quer homenageá-la tocando um concerto de Chopin. A mãe exaspera-se. Dá-lhe uma lição de piano – como Chopin deve ser tocado. A humilhação dilacera Liv. Ingrid vai embora soberana, sem nenhuma culpa. Parece até aliviada por se desembaraçar desse peso, a filha.

    Ainda falta uma coisa, a parceria com Alfred Hitchcock. Fizeram três filmes juntos – Spellbound/Quando Fala o Coração e Interlúdio, em 1945/46, e Sob o Signo de Capricórnio, 1949. Ingrid certamente não foi a primeira, mas ressignificou a personagem da loira no cinema do mestre do suspense, antecipando Grace Kelly, Kim Novak, Eva-Marie Saint e Tippi Hedren.

    Em 1999, o American Film Institute, ainda para celebrar o centenário do cinema, criou a lista de 100 maiores astros e estrelas de Hollywood, 50 mulheres e 50 homens. Ingrid ficou em quarto, entre as maiores estrelas, após Katharine Hepburn, Bette Davis e Audrey Hepburn, e antes de Greta Garbo, Marilyn Monroe e Elizabeth Taylor.

    7 filmes essenciais

    Casablanca, de Michael Curtiz, 1943

    Isa e Rick reencontram-se na taverna dele. Viveram um grande amor, mas agora ela está casada com o líder da resistência aos nazistas. “Toque de novo, Sam, pelos velhos tempos.” Um dos filmes mais amados do cinema, vencedor dos Oscars de melhor filme, direção e roteiro adaptado.

    À Meia Luz, de George Cukor, 1944

    Casada com Charles Boyer, Ingrid sente que está perdendo a sanidade na mansão gótica – e vitoriana – do casal. E se for um plano dele para se livrar da mulher? Ingrid recebeu aqui seu primeiro Oscar.

    Interlúdio/Notorious, de Alfred Hitchcock, 1946

    Um grande filme do mestre do suspense. Ingrid casa-se com Claude Rains, suspeito de espionagem pró-nazista. Conseguirá ele as provas que Cary Grant necessita? Uma cena de amor que entrou para a história e outra angustiante, quando Ingrid, dopada, ouve Rains e a mãe discutindo, sobre o que farão com ela.

    Viagem na Itália, de Roberto Rossellini, de 1953

    Um casal em crise, Ingrid e George Sanders. Viajam a Nápoles para resolver um problema de herança e terminam visitando Pompeia. Nas ruínas da cidade destruída na erupção do Vesúvio encontram o casal eternizado num abraço. Fracasso de público no lançamento, virou obra de culto para a geração nouvelle-vague.

    Mais Uma Vez Adeus, de Anatole Litvak, 1961

    Ingrid, como personagem de Françoise Sagan, divide-se, em Paris, entre amante jovem e outro mais velho, a quem está ligada há anos. Anthony Perkins e Yves Montand fazem os papeis e o primeiro foi melhor ator em Cannes. Título original – Aimez-vous Brahms? A pergunta correta seria ‘Quem não gosta de Brahms?’

    Assassinato no Orient Express, de Sidney Lumet, 1974

    Hércule Poirot/Albert Finney investiga assassinato ocorrido no trem de luxo. O que a morte do bebê Lindbergh tem a ver com isso? Narrado em planos-sequência, o filme é marcado pelas interpretações de altíssimo nível. Ingrid ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Bastante superior ao remake de Kenneth Branagh.

    Sonata de Outono, de Ingmar Bergman, 1978

    Ingrid faz pianista que sempre privilegiou a carreira, em detrimento da filha. A lição de piano, quando ela humilha Liv Ullman. Bergman e a falta de afeto familiar. A mãe que rejeita as crias – Liv tem uma irmã – é uma personagem terrível.

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