• Ineficiência estrutural da segurança pública no Brasil

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 07/12/2024 08:00
    Por Gastão Reis

    O Brasil tem um problema de ineficiência estrutural em matéria de segurança pública. “Como assim?”, alguém poderia perguntar. É relativamente fácil de entender. Imagine que um determinado profissional trabalhasse numa escala de 72 por 24 horas. Provavelmente, ele iria procurar o que fazer em outra área nos três dias de folga que tem. Inclusive, poderia até ser melhor remunerado nessa outra atividade. Muito provavelmente, iria negligenciar aquela que, em princípio, deveria ser o seu foco principal.

    Tomemos o caso de nossa inflação elevada, que levou mais de uma geração para ser solucionado. O grupo de competentes economistas que montou e implantou o Plano Real se deu conta de sérias distorções existentes entre os entes federados a serem corrigidas para que o Plano Real desse certo. Eles foram ao presidente FHC e lhe disseram que sem fechar os bancos de investimentos e comerciais dos estados brasileiros seria impossível pôr fim, de fato, ao persistente processo inflacionário, já de décadas.

    Um caso ilustrativo do que acontecia com os bancos estaduais se deu com o então governador Orestes Quercia, no episódio de sua sucessão. Foi curto e grosso na época: “Quebrei o BANESPA, mas fiz meu sucessor”. Trocado em miúdos: os governadores entulhavam seus bancos estaduais de títulos e usavam o dinheiro recebido para gastar a rodo. Era como se o Brasil tivesse 27 casas da moeda para emitir dinheiro, uma por estado. Impossível garantir o sucesso do plano sem fechar a torneira dos bancos estaduais. E assim foi feito.

    Infelizmente, algo parecido ocorre com as polícias militar e civis dos estados.

    Elas mantêm uma escala de trabalho de 24 por 72 horas. Ainda que não todos, os policiais, via terceiros, atuam em serviços particulares de segurança nesses três dias de folga. Perdem o foco em sua atividade principal, daí a óbvia ineficiência com que operam evidenciado pelo avanço da criminalidade em todos os níveis. O problema que vem ocorrendo e se agravando por muitos anos.

    Em recente reunião dos governadores em Brasília, o presidente Lula abriu a reunião dizendo o seguinte: “Não vamos resolver todos os problemas da segurança pública no país numa única reunião”. Como sempre, esquece de dizer que se trata de um problema sério que vem se arrastando e se agravando há décadas. Obviamente, por não terem sido enfrentados pelas autoridades federais e estaduais por tempo demais. Lula menciona ainda as queixas de policiais contra o Judiciário, que acaba soltando os bandidos presos por eles. Reconhece que se trata de um problema que vem desde 1980. Portanto, há quase meio século, período que inclui seus dois mandatos presidenciais anteriores e o atual, em que nada fez de concreto.

    Logo em seguida, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, fez uso da palavra afirmando que fez da segurança pública o foco de seu governo. E arrolou razões convincentes para tanto. Sem segurança pública, a mobilidade das pessoas fica prejudicada; as atividades comerciais são obrigadas a pagar aos bandidos para poder funcionar; a cidadania não poder ser plenamente exercida; e o estado democrático de direito se torna ficção. Os bandidos passam a ser os donos dos territórios, exercendo o poder de vida ou morte sobre seus habitantes. Goiás, segundo ele, tem segurança pública nota mil.

    O governador Caiado vai além. Ele reconhece que as normas referentes à educação e saúde possam ser definidas de modo unificado. Mas, no caso da segurança pública, saltam aos olhos as peculiaridades de cada região ou estado. Os estados, de fato, precisam de apoio federal, mas não de normas e leis ditadas pelo governo federal. A PEC em debate na reunião propõe até diretrizes vinculantes, ou seja, obrigatórias, que não poderiam ser aplicadas de modo geral. E acabam dificultando o combate ao crime.

    O crime organizado vem se estendo cada vez mais. Combatê-lo exige dar aos estados maior liberdade de ação. Calado dá exemplos sobre medidas que tomou para apertar as cravelhas da bandidagem. Proibiu visitas íntimas para estupradores e traficantes. Advogados recorreram aos tribunais, inclusive ao STF, e as penalidades estabelecidas por ele foram derrubadas. Calado não teria poderes para tanto. Na verdade, ele não criou uma nova lei. Simplesmente mudou uma norma de funcionamento dos presídios.

    Informou ainda que seus serviços de inteligência em Goiás contam com mais de mil homens. Tem informações precisas sobre os 54 chefes do tráfico de drogas abrigados nas favelas do Rio de Janeiro. Conseguiu prender dois deles, mas outros 52 continuam lá. Incólumes. Sugeriu ao presidente Lula partir para um pacto internacional para desbaratar as quadrilhas de traficantes. A cocaína é produzida na Venezuela, na Colômbia, no Peru e na Bolívia. É nesses países que a matéria-prima dos traficantes é produzida. Calado afirmou que a própria FUNAI não consegue entrar em várias partes da Amazónia.

    Por estar muito bem informado por seus serviços de inteligência, Calado conseguiu prender 12 bandidos que tocaram fogo em canaviais em Goiás. Decretou que o crime ficaria inafiançável até o final do período de seca. Novamente, os bandidos recorreram aos tribunais, e ele teve que soltá-los. Provavelmente para continuarem em suas atividades de incendiários. Tais absurdos não podem continuar. É como se fossem garantias de supostos direi-tos de criminosos. Pior: com base em filigranas jurídicas que parecem não levar em conta a gravidade dos atos cometidos. E a necessidade de punição rigorosa.

    Aparentemente, o único estado que mudou a jornada da PM foi São Paulo, onde passou a ser de 12 por 36 horas, como me foi dito por um PM numa estação de metrô na capital paulista. Sem dúvida, dificultou em muito a falta de foco que ocorre nos demais estados. Ainda não é a ideal. Basta pesquisar a jornada de policiais americanos e europeus, normalmente de 8 horas diárias em média. O que ocorre no Brasil é mais uma das nossas jabuticabas.

    Por fim, cabe ressaltar as condições lamentáveis dos presídios brasileiros e o fato de que legislação não deveria proteger quem se recusa a trabalhar, tendo condições para tanto. Cabeça vazia, oficina do diabo. Até quando?  

    Dois minutos com Gastão Reis: Que um mau governo dure pouco:

    **Sobre o autor: Gastão Reis é economista e escritor

    Últimas