Indústria, agronegócio e o futuro
Antes de mais nada, caro(a) leitor(a), quero lhe desejar um Ano Novo bem diferente dos últimos dois com saúde, paz e prosperidade, condições que têm nos faltados nesses tempos tumultuados e imprevisíveis que os chineses chamam de interessantes. E solicitam aos deuses que nos livrem deles. O motivo condutor deste artigo é um bom exemplo de como fazer a coisa certa num setor e a errada noutro.
A esquizofrenia é definida como um distúrbio que impede a pessoa de pensar, sentir e se comportar com clareza. Em psicologia, é vista em geral como um fenômeno individual, mas certamente pode afetar grupos de pessoas ou até mesmo coletividades. Mas a “criatividade” do Patropi abriu uma nova perspectiva que envolveu o campo da condução da política econômica em relação à indústria e ao agronegócio. O canapé do psicanalista passou a receber esse novo tipo de paciente cujas ações provocaram efeitos desastrosos de longo prazo para o País na indústria de transformação. Vamos aos fatos.
Pouco mais de seis anos atrás, eu escrevi dois artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo intitulados “A Jabuticaba (Amarga) da Indústria”, em 05/09/2015, e “O Encolhimento (Assustador) da Indústria”, em 30/09/2015. (Basta digitar o título no Google para acessá-los). O primeiro aborda os fatores que conduziram a indústria nacional à sinuca de bico em que a meteram. O segundo tem no título a tragédia que a atropelou de modo contundente.
Quando nos voltamos para o agronegócio o panorama muda da água para o vinho, bem resumido no bordão “agro é tech; agro é pop; agro é tudo”. De fato, as relações do agronegócio com a economia em todos os setores é onipresente. Alimentos, roupas, combustível (álcool), e muita coisa mais salta aos olhos. Um setor que vem dando uma imensa contribuição ao País, com alta produtividade e capacidade de inovar invejáveis. Ele também é muito lucrativo. Comparado com a indústria de transformação, o agronegócio é uma bela foto colorida ao passo que a indústria se revela um negativo em preto e branco sem graça. Cabe, agora, explicar tamanho sucesso de um e o desastre do outro.
Não foi milagre o que aconteceu no agronegócio. Foi um processo bem estruturado em que o governo e os empresários fizeram a coisa certa. Por volta de 1973, um grupo de pesquisadores brasileiros, oriundos de seus estudos de mestrado e doutorado no exterior na área agrícola, percebeu que a diferença entre o Brasil e os EUA era basicamente de conhecimento. A figura de Eliseu Alves merece registro por ter se tornado uma espécie de guru entre eles.
Notaram ainda que havia uma diferença: era preciso desenvolver pesquisas no Brasil levando em conta o meio tropical. Transplantar para cá as mesmas variedades americanas não ia funcionar. Era diferente de uma fábrica, em que era possível reproduzir o mesmíssimo meio-ambiente de produção entre quatro paredes. E foi assim que surgiu a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola, em 23/04/1973, uma empresa pública, cuja missão era realizar pesquisas, desenvolvimento e inovação em benefício da sociedade brasileira.
Nem toda empresa pública consegue o estrondoso sucesso da EMBRAPA. Basta relembrar que o Brasil da década de 1970 tinha um problema crônico de fome. Mas, em 2014, no espaço de apenas uma geração, o Brasil saiu do Mapa da Fome da FAO por ter atingido um nível abaixo de 5%. Na verdade, 60% da população brasileira hoje é classificada como tendo excesso de peso. As notícias recentes sobre pessoas com fome em função dos problemas causados pela Covid-19 são de natureza circunstancial e não estrutural.
Mas será que a EMBRAPA explica tudo quanto ao sucesso do agronegócio brasileiro? Haveria outros fatores importantes no êxito observado?
Não há como negar que a carga tributária de 6% e a atuação política de uma bancada de 200 deputados federais ligados ao agronegócio, que se reúne toda terça-feira em Brasília, tiveram, e têm, peso na explicação dos bons tempos vividos pelo agronegócio há décadas.
Retornemos ao caso da indústria de transformação. Ela arca com uma carga tributária de 47%, percentual baseado em estudo bem fundamentado da FIRJAN. De cada 100 reais produzidos pela indústria o governo abocanha 47 reais. Quase metade! No agronegócio, apenas 6 reais. É evidente que este último dispõe de recursos para investir em inovação, o que tem feito ao longo dos anos. Já a indústria, na média, está no campo oposto, desprovida de recursos para investir. Nem mesmo tem condições de tomar emprestado para aumentar a produção face à extorsão tributária a que está submetida.
Por que essa enorme diferença de 6 para 47%, quase oito vezes maior, se manteve ao longo do tempo ao invés de caminhar para um estreitamento que seria benéfico tanto para a indústria como para o agronegócio? Uma razão relevante é o peso da vigilante bancada do agronegócio no congresso na defesa de seus interesses bem como da própria população. Afinal, saímos do Mapa da Fome desde 2014.
O dramático em termos uma indústria que não investe com baixa taxa de inovação e ganhos pífios de produtividade é que ela não consegue dar a contribuição que poderia ao PIB brasileiro cujas taxas de crescimento têm sido medíocres nas últimas quatro décadas. A rigor o PIB per capita do Brasil em termos reais vem crescendo em torno de um (1!) por cento ao ano.
Tarda a hora de uma união entre os empresários do agronegócio e os da indústria para atuar, politicamente, na redução da carga tributária que esmaga a indústria. E isto por três razões. Nos EUA, na Europa e mesmo na América Latina, a indústria recebe uma taxação que é cerca de um terço da nossa. A segunda é que uma indústria competitiva poderá exportar e vender no mercado interno a preços mais baixos, coisa que interessa diretamente à população. A última razão é que essa união daria votos em plenário à indústria para reduzir significativamente sua carga tributária e exercer seu papel no crescimento sustentável do País, livrando-o da marcha lenta que engatou desde 1980.
É fundamental reabrirmos as portas do futuro para o País voltar a crescer.
(*) Autor do livro “Revele-se Empreendedor – Os segredos de quem faz acontecer”. Disponível em versão impressa pelo e-mail vendas@linodigi.com.br ou, na digital, em que basta digitar no Google o título e o nome do autor.