Indigenista desaparecido pediu licença da Funai após ser exonerado por sub de Moro
Desaparecido desde o último domingo, quando percorria uma região ao lado do Vale do Javari, o indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira era, até outubro de 2019, o responsável pela Coordenação Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai) até ser substituído por um missionário evangélico com pouca experiência no assunto. Segundo antigos colegas, ele deixou o posto por “incompatibilidade” com o atual presidente da Funai, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier, e com as diretrizes do governo de Jair Bolsonaro para a fundação.
Representantes dos indigenistas dizem que, se Bruno continuasse atuando dentro da Funai, uma situação como a desta semana seria menos provável.
A exoneração foi assinada pelo então secretário-executivo de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, Luiz Pontel, e pelo presidente da Funai, o delegado Marcelo Augusto Xavier da Silva. Segundo colegas de Pereira, o ato foi o estopim para que ele pedisse licença do órgão. Procurado, Moro disse que não iria comentar. A Funai não respondeu aos questionamentos da reportagem até o momento.
A remoção do indigenista do posto ocorreu sem qualquer tipo de justificativa por parte da Funai. Para o lugar de Pereira foi nomeado um missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, que ficou nove meses no cargo. Nesta quarta-feira, 8, a área na qual Pereira atuava passou por mais uma mudança: a Funai exonerou o servidor César Augusto Martinez, titular da Diretoria de Proteção Territorial da fundação, à qual a Coordenação de Indígenas Isolados está subordinada.
Para o lugar dele foi nomeada outra servidora, Elisabete Ribeiro Alcântara Lopes, que atuava na presidência da Funai. No entanto, segundo indigenistas e a Funai, Martinez já tinha solicitado a saída do posto há meses, e a troca não tem relação com o desaparecimento de Pereira.
Pessoas próximas ao indigenista dizem que ele foi exonerado da coordenação que cuida dos indígenas isolados por “incompatibilidade” com o presidente da Funai, Marcelo Xavier, e com as diretrizes da gestão de Jair Bolsonaro para a fundação.
No período entre a saída de Atalaia do Norte e a vinda para Brasília, Bruno Pereira se especializou nas técnicas usadas durante as incursões na mata. Passou uma temporada com o indigenista Rieli Franciscato, considerado um dos principais da área no País e morto em setembro de 2020 por uma flechada de indígenas isolados em Rondônia.
A indigenista Priscila Colodetti é a atual diretora executiva da INA – Indigenistas Associados, entidade que representa os servidores da Funai. Segundo ela, a remoção de Pereira e a nomeação de um missionário evangélico para a coordenação “demonstra o interesse deste governo de que as terras dos isolados fossem abertas para os missionários religiosos”.
“O Bruno, para poder continuar o trabalho correto em defesa dos indígenas, teve de se licenciar da Funai e buscar outras formas de trabalhar. Ele estava fazendo (ao desaparecer) um trabalho que o Estado brasileiro parou de fazer”, disse ela ao Estadão. “Se ele continuasse na Funai, atuando com o apoio da Força Nacional e do Exército, e se as ações de vigilância estivessem sendo feitas na área; se ainda existisse uma política para os povos isolados e de recente contato, pode ser que a situação fosse outra.”
Bruno Pereira está desaparecido junto com o jornalista britânico Dom Phillips desde a manhã de domingo, dia 05. Apenas na manhã desta terça-feira, dia 07, o Comando Militar da Amazônia, do Exército, e a Marinha mobilizaram aeronaves para intensificar a busca pelos dois desaparecidos. Os dois sumiram durante uma viagem de barco entre a comunidade ribeirinha de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte. Como mostrou o Estadão, Pereira foi mencionado em um bilhete apócrifo com ameaças, escrito por pescadores ilegais que atuavam na área e dirigido à entidade para a qual o indigenista trabalhava.