• Índia reduz exportação de vacinas para atender população e afeta países pobres

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  • 27/03/2021 08:08
    Por Redação, O Estado de S.Paulo / Estadão

    A Índia, um dos maiores produtores mundiais de vacinas contra a covid-19, reduziu suas exportações de imunizantes no momento em que vive um forte aumento nas contaminações, registrando mais de 50 mil casos por dia, o dobro do início do mês. A decisão dos indianos afeta a distribuição de vacinas em dezenas de países.

    O governo da Índia, de 1,3 bilhão de habitantes, está retendo 2,4 milhões de doses que o Instituto Serum – a empresa privada que faz a vacina da AstraZeneca – produz diariamente. O instituto se comprometeu a fabricar um terço do total de 3 bilhões de doses que a AstraZeneca disse que produzirá até o final de 2021, embora pareça cada vez mais improvável que cumpra esse prazo.

    O governo do primeiro-ministro, Narendra Modi, tem controle sobre quantas doses podem ser exportadas e tudo indica que a Índia siga a mesma direção da União Europeia, que se tem se movimentado para conter exportações.

    A Índia viu dobrar o número de casos diários para cerca de 50 mil nos últimos dias, em meio a uma campanha que vacinou apenas 4% de seus habitantes. O país registrou mais 11,8 milhões de casos e mais de 160 mil mortes, o terceiro país mais afetado do planeta, atrás de EUA e Brasil. Até agora, a Índia exportou mais doses do que deu ao próprio povo, ao contrário de americanos, britânicos e europeus.

    A Índia passa por um surto causado pelo aumento de casos no Estado de Maharashtra, onde fica Mumbai, a capital financeira do país. O Ministério da Saúde relatou ontem mais de 59 mil novos casos nas últimas 24 horas – o maior número de novas infecções desde outubro.

    Apenas algumas semanas atrás, a Índia estava usando seu potencial de produção de vacinas para exercer influência no Sudeste Asiático e em todo o mundo. Cerca de 8 milhões de doses foram doados pelo governo da Índia como parte de sua diplomacia das vacinas.

    Mais de 70 países, do Brasil ao Reino Unido, receberam imunizantes feitos na Índia, em um total de 60 milhões de doses. Mas o tamanho de suas exportações foi muito reduzido nas últimas duas semanas, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores da Índia.

    Agora, a crescente demanda interna está causando uma escassez de oferta global de até 90 milhões de doses, segundo a ONU, que teme que os cortes no estoque mundial sejam um revés para os esforços de imunização, principalmente nos países mais pobres.

    O consórcio global Covax – apoiado pela ONU e pela Gavi Vaccine Alliance – alertou as 64 nações participantes sobre atrasos nas entregas de vacinas em março e em abril. A expectativa era que os indianos contribuíssem para o Covax com 240 milhões de doses até o final de junho.

    O Serum forneceu ao consórcio 28 milhões de doses até agora. O Ministério das Relações Exteriores indiano disse que 18 milhões de doses foram enviadas para o exterior no âmbito da Covax, sugerindo que cerca de 10 milhões de doses usadas na campanha de vacinação da Índia também vieram do programa.

    De acordo com o jornal New York Times, o Instituto Serum já avisou Brasil, Marrocos e Arábia Saudita que espera atrasos nos embarques. Questionado, um oficial do governo indiano afirmou que não há razões para pânico e se limitou a dizer que haverá cumprimento das exigências contratuais com os parceiros. Sob condição de anonimato, ele minimizou a possibilidade de impacto no fornecimento de vacinas ao Brasil. O Instituto Serum não respondeu ontem a pedidos de comentário.

    O Ministério das Relações Exteriores do Brasil admitiu que pode haver atrasos. “O cronograma de entregas de doses, enviado pelos laboratórios fabricantes, pode sofrer constantes alterações, de acordo com a produção dos insumos”, disse o Itamaraty, em nota oficial. O Brasil encomendou 20 milhões de doses do Instituto Serum e já recebeu 4 milhões.

    A aliança entre o Instituto Serum e a Oxford-AstraZeneca resultou na vacina contra a covid-19 mais barata do mundo: apenas US$ 2 por dose. As vacinas desenvolvidas pela Pfizer e Moderna, em comparação, custam muito mais e exigem armazenamento refrigerado extremo.

    Mudança

    Problemas de produção em outras instalações da AstraZeneca na Bélgica e na Holanda levaram países mais ricos, como Canadá, Arábia Saudita e Reino Unido, a depender das doses do Instituto Serum, tornando a empresa ainda mais fundamental para a cadeia de fornecimento global da vacina da AstraZeneca.

    A Índia, o segundo país mais populoso do mundo e com centenas de milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, depende do próprio suprimento de vacinas e do Covax, ao contrário de muitos outros países que adquiriram imunizantes de diferentes fornecedores.

    “Como muitos países mais pobres provavelmente não terão amplo acesso às vacinas até 2023 ou 2024, uma suspensão prolongada das exportações da Índia poderia atrasar ainda mais essas datas”, disse Olivier Wouters, professor de política de saúde da London School of Economics, que tem estudado a cadeia global de suprimentos de vacinas. “Muitos países ao redor do mundo, os mais pobres em particular, estão contando com a Índia. O nacionalismo das vacinas atinge todos nós.”

    “É uma situação fluida”, afirmou Srinath Reddy, especialista em política da Fundação de Saúde Pública da Índia. “Dado o fato de que o fornecimento de vacinas e a situação da covid são dinâmicos, acho que é apropriado que o governo faça uma pausa e diga: ‘Vamos segurar os estoques’.”

    O Nepal, um dos países mais pobres da Ásia e vizinho da Índia, teve de interromper sua campanha de vacinação no dia 17, pois é altamente dependente das doses da vacina da AstraZeneca feitas no Instituto Serum. O Reino Unido, por sua vez, recebeu 5 milhões de doses do Serum, mas há várias semanas espera por mais 5 milhões.

    O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, deve visitar a Índia no mês que vem, e alguns diplomatas se referiram à viagem como uma missão para garantir milhões de doses para o programa de vacinação britânico. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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