
Inconveniências
Venho me sentindo incomodado por ouvir conversas que não me interessam. Acho que, pelo uso constante do celular, algumas pessoas perderam o senso da discrição e tratam de assuntos particulares em ambientes públicos sem se preocupar com quem está ao lado. Tenho testemunhado algumas cenas que mereciam um pouco mais de prudência, de recato. Tenho ouvido, sem querer, conversas que deveriam ocorrer em ambientes mais restritos. Certas pessoas agem nas ruas como se estivessem em casa. Falam alto em discussões ásperas.
Sei que estou abordando um assunto pessoal, mas acredito que você também já presenciou cenas semelhantes: pessoas, em lugares públicos, gesticulando, discutindo, xingando pelo celular.
Entendo plenamente que se perde o controle no calor das emoções, mas é preciso ter um pouco mais de cuidado quando se usa o celular em determinados lugares. Até em ambientes em que se exige silêncio, o celular é acionado inconvenientemente.
A ideia de escrever sobre esse assunto ocorreu na quinta-feira passada. Tenho ido ao Rio a trabalho. Por acordar muito cedo, sempre contabilizo o cochilo na viagem como hora de descanso, tanto na ida quanto na volta. Mas nesse dia, não foi possível relaxar. Na ida, o celular de um senhor tocou, deu para perceber que era a esposa dele. O assunto: levar ou não o filho à escola.
O pai achava que o garoto estava dissimulando, com preguiça por causa do frio. A discussão rendeu até o celular dele ficar sem sinal. Aí já estávamos no meio da serra…
Na volta, quando o ônibus saiu da Rodoviária Novo Rio em direção a Petrópolis, um rapaz ligou para um amigo e resolveu conversar sobre o que pretendia fazer no fim de semana. E, no meio da conversa, falava mal de outros colegas e vangloriava-se dos excessos nas baladas. A inconveniência era total. Tanta gente ali cansada, voltando do trabalho, tendo que ouvir os vexames de amigos e amigas dele. Algo totalmente sem propósito para ser conversado dentro de um ambiente coletivo, citava até os nomes abertamente.
Voltamos à discussão sobre a perda do senso da privacidade por pessoas que vivem com a câmera do celular sobre si, produzindo o seu próprio “reality show”.
Você há de convir que o uso do celular interferiu nas relações sociais. A profusão da troca de mensagens vem contribuindo para o aumento da ansiedade. Percebo que algumas pessoas não ficam uma hora sem olhar para a tela do celular. Parece que estão sempre esperando alguma mensagem importante. Há um clima de urgência, de expectativa constante sobre o que possa vir.
Há também cenas com recheio de humor: um dia, peguei o metrô na estação Carioca, no Rio, com destino a Copacabana, por volta das nove horas. O vagão estava lotado. Consegui um lugar ao lado da barra metálica que serve de apoio. Entrou uma senhora, que também se manteve de pé próxima à barra. Com a mão direita, apoiava-se. Com a esquerda, tirou o celular da bolsa e passou a jogar paciência. A habilidade com o polegar para acionar o jogo era incrível! Nesse mesmo vagão, uma jovem, que também estava de pé ao lado da porta, ria descontraidamente. Pensei: “ela deve estar vendo vídeo no TikTok…”
Outra cena bem atípica, presenciei no ônibus executivo que sai da rua Marechal Deodoro para a Rodoviária de Petrópolis: uma mãe deixou a filhinha com a avó. Acredito que, para ficar monitorando as duas, fez uma chamada de vídeo. A palavra “sogrinha”, às vezes, escorregava com certa ironia, por isso deduzi que se tratava da avó paterna da criança. Eu, que estava com um livro nas mãos, não consegui me concentrar na leitura. O triálogo estava muito animado…
As mensagens de “áudio” aumentaram. Dependendo do local em que estamos, não é possível ouvi-las, só usando um fone no ouvido. Para resolver esse meu problema, a Marta comprou um e me deu de presente. Mas ficou chateada diante da minha reação. Exclamou:
– Parece que você não gostou do presente que te dei!
– Você sabe que ainda estou no mundo analógico…
– Isso é verdade…
E para finalizar a nossa prosa tão informal, deixo aqui uma perguntar:
– Como você se sente quando sai e esquece o celular em casa?