• In memoriam das Diretas Já

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  • 03/fev 08:00
    Por Gastão Reis

    Quem não se lembra, ou leu a respeito, da empolgação da campanha pelas Diretas Já, nos anos de 1983 e 1984, como se fosse a grande solução para o País?  Em abril deste ano, vamos celebrar (ou lamentar?) os 40 anos da lei que permitiu a eleição direta para presidente da república. É hora de fazer um balanço do que ocorreu de lá para cá. A esperança era que a manifestação da vontade popular pelo voto direto seria a garantia da sabedoria popular na escolha do supremo mandatário do País.

    Poucos anos depois, em 1988, foi promulgada uma nova Carta em que se misturou legislação constitucional com a ordinária. Grupos de interesse ditaram as regras do jogo, privilegiando certos setores em prejuízo do interesse público de ordem geral. A intensa participação popular em sua elaboração não garantiu este requisito fundamental. Justamente por isso, a constituição Cidadã, proclamada por Ulysses Guimarães, ficou longe de fazer jus ao nome.

    Os alertas partiram de muita gente, de juristas renomados, e de outras personalidade tão diferentes como Roberto Campos e José Sarney, ambos nos dizendo que o País se tornaria ingovernável. Ou governável em marcha lenta e um tanto caótica. Teriam eles bola de cristal capaz de prever o futuro? Na verdade, era uma daquelas situações em que a estrutura frankensteiniana da Carta, forçosamente, levaria ao que fora previsto por figuras abalizadas que sabiam o que viria.

    O Chile e o Brasil são dois exemplos marcantes quanto  à qualidade de um texto constitucional capaz de ser benéfico ao país a longo prazo. As duas cartas outorgadas por Dom Pedro I, a de 1824 no Brasil e a de 1826 em Portugal, foram as que mais duraram em ambos os países até hoje. No Chile, a constituição outorgada por Pinochet, em 1980, escrita por juristas competentes, mesmo com alterações posteriores, continua vigente até hoje. Por que duraram tanto a despeito de não terem sido promulgadas?

    Não se trata de segredo de Polichinelo.  Cartas mencionadas acima foram cuidadosas no sentido de preservar o interesse público em geral sem permitir que interesses de grupos e setores dominassem sua elaboração. Daí sua durabilidade. A nossa de 1824, através do Poder Moderador, na época muito amplo, foi capaz de coibir os abusos do andar de cima. E evitar que ambições pessoais e partidárias se tornassem os condutores do dito processo democrático. A de Pinochet não se tornou um fator impeditivo do desenvolvimento do Chile, como acontece com a nossa de 1988. (Deixo clara minha aversão a Pinochet.)

    Retornemos à questão da eleição direta para presidente e o que ocorreu desde 1988. Será que a sabedoria popular em suas escolhas presidenciais falhou na eleição de nossos presidentes desde então? A questão é mais complexa do que aquela história do brasileiro não sabe votar. A Carta de 1988 deu o direito do voto direto para presidente, mas não armou o eleitor com o voto distrital puro, ou equivalente, e a possibilidade de revogação de mandatos entre as eleições (recall) para que ele tivesse controle efetivo sobre seus representantes. Estes, entre as eleições, recebem uma espécie de carta branca.

    Ao percorremos a lista de presidentes eleitos desde as Diretas Já e da Carta de 1988, o saldo é bastante negativo. José Sarney dispensa comentários em matéria de descontrole inflacionário com tabelamento de preços fadados ao fracasso desde Hamurabi e do imperador romano que o impuseram, apelando inclusive para a pena de morte. O presidente Collor, o caçador de marajás, acobertou grossa corrupção e acabou impichado, destruindo as expectativas da população de que daria cabo da roubalheita e faria o Brasil deslanchar.     

    A esperança foi voltando aos poucos com Itamar Franco ao nomear Fernando Henrique Cardoso para ministro da Fazenda, um sociólogo com habilidade política, que conseguiu lançar o bem sucedido Plano Real em meados de 1994. E isso depois de vários planos de combate à inflação fracassados.

    A gestão presidencial de FHC (1995-2002) foi  a melhor de todo o período pós-1988 por ter conseguido estabilizar a economia e levar adiante um plano de privatização, livrando o pobre do pior imposto, o inflacionário, e a economia do peso da ineficiência das estatais deixadas pelos militares. Criou ainda o Ministério da Defesa, comandado por civis, coisa que tivemos ao longo do Império, e que é fato comum, ainda hoje, nas grandes democracias modernas.

    Logo após, veio Lula (2003-2010), trazendo com ele imensas esperanças. Era um ex-operário, homem que conheceria as agruras da população pobre, que enfim assumia a presidência. O hábito da mentira fez com que ele transformasse a herança bendita de FHC em maldita, como cansou de repetir. Seu governo teve muita prestidigitação trocando o nome de programas deixados pelo governo anterior. Marco Antonio Villa, em seu livro “Década Perdida – Dez anos do PT no poder” faz um raio X do que realmente foi o PT no governo com sua corrupção bilionária, que, hoje o STF, tenta negar.

    E aí veio Dilma Rousseff (2011-2016), escolha pessoal de Lula, com suas falas tresloucadas e lógica capenga. A Nova Matriz Econômica, de Mantega, foi a coveira do governo Dilma, que acabou em impeachment. Lula disse que foi golpe parlamentar, mas ele sabia que não era. Foi a punição da incompetência. Mas mentir e se desdizer foi sempre seu esporte favorito.

    Passamos depois por Michel Temer (2016-2018) sem grandes novidades, seguido por Jair Bolsonaro (2019-2022), cuja grande estrela de seu governo foi Paulo Guedes, o único ministro da Fazenda que fez a SELIC baixou a 2% ao ano. E ainda a proeza de fazer com que as estatais dessem lucro. Foi, de fato, um governo imensamente prejudicado pela pandemia, cuja gestão deixou a desejar por fatores imponderáveis.

    E agora outra dose de Lula (2023-?), que busca repetir o mesmo filme cansado de guerras perdidas. Como foi dito, a melhor parte até aqui foi o estrago que não conseguiu fazer. Gerson Camarotti nos informa que é um governo desarticulado e sem governabilidade. Em suma: as diretas não funcionaram. O problema são nossas instituições capengas e disfuncionais.

    “Dois Minutos com Gastão Reis: Políticos: Você no controle”.

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