Iluminado maestro
Pessoas iluminadas, creiam, existem. Têm sido criaturas humanas no perlustre de caminhos malconservados e inóspitos, coalhados de urzes, espinhos, embora servidos por cristalinos córregos de boa água plena da pureza e bálsamo de incentivo na caminhada por entre espinhos e peçonhas. Estas pessoas ignoram os óbices, as crateras e pisam resolutos para a frente, parando vez por outra para atender a iguais em estado de perigo. Por vezes incompreendidas, não se abatem e cumprem as missões impostas pelo destino. E mantém a tranquilidade, a calma, a compreensão, a bondade e todos os predicativos comuns aos iluminados. Líderes, criativos, suspiram triste emoção por assistirem pessoas do seu entorno, apropriarem-se de suas ideias, ideais, criatividade, talento, no triste espetáculo humano gerador da inveja e do maucaratismo.
A pessoa iluminada não se abate porque a missão da sua vida traçada jamais admite recuo e isto é o componente básico de sua existência fadada ao bem em favor da condição humana de ser inteligente.
Existiram e existem muitas criaturas humanas iluminadas percorrendo os caminhos do bem e da cordialidade e obrando em favor da sociedade, nos complexos da vida internacional, nacional e local, onde aqui em Petrópolis, destaco o saudoso violoncelista João Paulo Carneiro Pinto, o maestro Paulo Carneiro, fundador da Escola de Música Santa Cecília, no ano de 1893.
Sua biografia começa em Pernambuco onde seu pai e irmãos participavam da banda da pequena Goianá. O menino era especial, iluminado, e todos buscaram Recife para o burilar do seu talento para a música. Destaque, brilho, dedicação, projetam o jovem ao Rio de Janeiro, Corte, onde cursa a Escola Nacional e conquista o ouro do reconhecimento. Professor em atuação junto à nobreza, acompanha as alunas de uma família ilustre na vilegiatura em Petrópolis. Encanta-se com a serra na musicalidade dos ventos e por aqui fica e desde logo funda um curso de música, ao qual denomina Escola de Música Santa Cecilia. O jovem Paulo contava 39 anos de idade. Abre turmas, contrata professores, consegue pouso amigo e seguro. Com seus alunos organiza uma orquestra, aprimora o canto coral e sai por ai deitando no ar de Petrópolis, a divina música. Torna-se a referência em música e participa de todos os eventos, festividades, regendo, tocando seu violoncelo. Rivaliza-se com os pássaros da canora natureza petropolitana. A nenhum encontro de cultura e arte ele nega participação e brilha ; os professores e alunos da sua Escola encantam a sociedade. Paulo Carneiro torna-se a referência musical da Terra de Pedro.
Depoimentos de coevos do maestro atestam sua fina educação, seu jeito gentil e amável, amigo e conciliador e notável a simplicidade de sua figura, vestida com apuro porém sob ternos batidos por muitas refregas. Aceito em qualquer grupo o afrodescendente – hoje é assim sua qualificação – foi uma das maiores personalidades petropolitanas nas duas primeiras décadas do século XX.
Faleceu as 69 anos de idade, no ano de 1923, pedindo a discípulos, professores, amigos e admiradores dedicados, que não deixassem a sua Escola morrer.
Obedeceram. Não deixaram. No último dia 23 de fevereiro a Escola de Música Santa Cecilia completou 124 anos de existência como uma das mais respeitadas instituições de música do país.
Aquele músico nordestino, virtuose e talentoso, maestro Paulo Carneiro, para honra nossa de petropolitanos, tem seu nome perpetuado, querido e respeitado, em uma praça com monumento e tudo, no coração vivo da Cidade Imperial bem em frente ao prédio que dá continuidade à sua obra e perpetua seu nome no coração artístico de nossa Cidade Imperial, hoje palácio da música : a centenária Escola de Música Santa Cecília.