‘Ignorei a necessidade de me desligar’, diz CEO diagnosticado com síndrome
Há um ano, Cláudio Hermolin, então CEO da Brasil Brokers, uma das maiores imobiliárias do País, chegou ao escritório na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para mais um dia de trabalho. Até que algo mexeu definitivamente com sua vida, numa pane que ele nunca tinha experimentado. Calafrios, formigamento, visão turva e uma série de fobias de coisas simples, como entrar em um elevador e dirigir seu carro. Medo de morrer.
O diagnóstico veio semanas depois: síndrome de burnout. “É uma doença que vem de maneira silenciosa. As questões que vêm da cabeça não têm bem uma sinalização: elas simplesmente acontecem”, disse ele, em entrevista para o programa Olhar de Líder, do Estadão/Broadcast.
Ele renunciou ao cargo de CEO da Brasil Brokers e hoje atua como presidente da Primaz, que estrutura financiamentos imobiliários, além de presidir a Associação de Dirigentes de Empresas Imobiliárias do Rio (Ademi-RJ).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. descobriu a síndrome de burnout?
Essa é uma doença que vem de maneira silenciosa, diferente de questões do resto do corpo, como uma dor muscular, por exemplo. As questões da cabeça não têm bem uma sinalização. Simplesmente acontecem. E acontecem quando não há equilíbrio entre o lado pessoal e o do trabalho. No meu caso, foi num dia de trabalho como qualquer outro. Já estávamos em pandemia, e eu estava sozinho no escritório. Comecei a sentir calafrios, formigamento nas extremidades do corpo, visão turva e sensação de que iria desmaiar sentado na cadeira. Nunca tive isso e comecei a me assustar. Pensei que fosse falta de alimentação ou hidratação. Levantei para tomar uma água e sair para comer algo. Mas a perna ficou bamba. A cabeça começou a dominar a situação. Automaticamente comecei a pensar que estava prestes a ter um ataque cardíaco. Sentei de volta e liguei para meu médico.
O que ele disse?
Ele ouviu meu relato, disse que meus últimos exames estavam em dia e certamente não era um problema do coração. Ele falou: ‘você precisa ir para casa descansar e depois marcar uma consulta’. Esse recado bateu quase como uma punhalada pelas costas. Como ele me manda para casa relaxar, se eu estava quase morrendo? Decidi pegar o carro e ir para o hospital. Só que não conseguia dirigir. Não saí da garagem. Algo me impedia. Eu achava que ia ficar sem ar dentro do carro, bater e desmaiar. Todo tipo de pensamento ruim.
Como o sr. se acalmou?
Voltei a falar com o médico e desisti de ir ao hospital. Acabei pegando um táxi e indo para casa. Chegando lá, minha esposa tentou me acalmar, sugeriu que eu fosse dormir. Tive a pior noite da minha vida. Achava que ia morrer em casa. No dia seguinte, eu estava desesperado para chegar a hora da consulta com o médico. Tentei sair, mas não conseguia pisar do lado de fora do apartamento.
Como o sr. recebeu essa notícia do burnout?
É muito difícil admitir que algo de errado quando, em posição de liderança, nos achamos homens de aço à prova de problemas. Em primeiro lugar, é muito difícil admitir que exista essa questão. Em segundo, reconhecer que é preciso gerar um reequilíbrio entre a vida pessoal e a profissional.
Como foram os dias a partir daí?
Depois do diagnóstico, por vários meses fracassei ao tentar fazer coisas simples. Deixei de usar elevador: só subia e descia pelas escadas. Não pegava carro para nenhum trajeto com um túnel. Sentia pânico de que o carro pudesse parar ali e eu morrer sem ar lá dentro. Tinha uma rotina semanal de viagens a São Paulo, mas não conseguia me imaginar dentro de um avião. Por duas vezes comprei passagem, fiz check-in e não entrei no avião.
Desde a pane no escritório até a confirmação do diagnóstico, passou-se quanto tempo?
Foram de 15 a 30 dias até entender de fato o que estava acontecendo. Tive conversas com psicólogos, psiquiatras, além de uma bateria de exames para me convencer de que não era mesmo um problema do coração. Infelizmente, vivemos em uma sociedade preconceituosa com as questões da mente. Era melhor ter uma história associada a problemas físicos comuns. Após o diagnóstico, foram mais uns 90 dias de tratamento.
Como o sr. lidou com o trabalho? Na época, o sr. era CEO da Brasil Brokers. A síndrome do burnout teve algo a ver com a sua renúncia do cargo?
O grande erro que cometi foi ignorar a necessidade de ter um período para desligar, não olhar o celular, ter fins de semana sem me preocupar com o trabalho e curtir só a família e os amigos. Por mais simplório que possa parecer, o principal problema é não ter um equilíbrio e não ter limites para o trabalho. Não importa se é CEO, diretor, gerente ou analista: pode acontecer com qualquer um. Não se trata do cargo nem do tamanho da empresa. Não importa se é um momento de crise ou uma época boa. O desafio faz parte do ambiente profissional o tempo todo. A questão é como estabelecemos um equilíbrio.
Como foi seu tratamento? Como o sr. traçou esses limites?
Passei a fazer o exercício de estabelecer limites. Fiz uma terapia específica para a síndrome de burnout. Passei a fazer meditação e a procurar outras formas para trabalhar a mente. Todo mundo se olha no espelho e busca fazer exercícios para o corpo. Mas o que é feito para exercitar a mente? Quase nada. Hoje, todas as vezes em que me vejo sob pressão, relembro da minha história e digo: ‘Opa, vamos parar, acalmar, segurar a onda e exercitar os limites’. Viramos seres insaciáveis para estar conectados 24 horas por dia. É muito simples pegar o celular e ler uma mensagem no email ou no WhatsApp, ler as notícias. É um bombardeio de informações o tempo inteiro, o que torna mais difícil o ato de se desligar. Isso consome a capacidade mental. É preciso um exercício para se reenergizar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.