HQ mostra avó moderninha em busca da sua grande paixão
O primeiro amor é aquele que deixa rastros por todos os caminhos de uma vida. Esse episódio do passado, de maneira inconsciente, marcou a vida de Suzette, uma senhora de 80 anos que perdeu seu marido de longa data. Na trama, ela conta com a ajuda da neta, Noémie, e resolve embarcar em uma aventura para reencontrar Francesco, o primeiro amor da juventude.
Tema esgarçado na literatura, a busca pelo amor perdido ganha outros contornos na HQ Suzette, ou O Grande Amor (editora Nemo), escrita e desenhada pelo quadrinista francês Fabien Toulmé. Na história, uma relação nada ortodoxa entre avó e neta se desenrola, enquanto as duas viajam a Portofino, na Itália, embarcadas em um furgão de uma floricultura.
Aos 20 e poucos anos, a garota está no começo de um relacionamento com um universitário e vive em uma montanha-russa de sentimentos, afinal, são preocupações como horários, estilos de vida, afetos, que a fazem questionar a vida ao lado do rapaz. Na trama, Toulmé trabalha com o elo intergeracional poderoso: ao depositar em sua avó uma confiança muitas vezes incomum entre familiares, Noémie descobre semelhanças e compreensão em Suzette. A busca pelo misterioso Francesco, que se revela um simpático senhor, é também o pretexto que as duas precisavam para desvendar uma à outra e descobrirem a si mesmas.
“Hoje é muito raro ficar a vida inteira com uma pessoa, nós mudamos a dinâmica do casal, o casamento era uma construção social muito forte”, conta Toulmé ao Estadão, em entrevista por telefone. Suzette é o sexto livro de sua autoria lançado no Brasil, após os sucessos de Duas Vidas e Não Era Você Que Eu Esperava, que também exploram problemáticas familiares e questões delicadas, como os impactos do amor, da morte e das doenças na vida das famílias.
Se em Duas Vidas o percurso de um difícil diagnóstico é anunciado já nas primeiras páginas, em Suzette, após a morte do companheiro, a senhora ganha uma nova vida, passa a buscar a felicidade para aproveitar os melhores anos. Com a narradora literalmente no volante, Toulmé conta que foi amadurecendo a ideia de Suzette conforme pensava nas dinâmicas das novas gerações de casais. “Um dia, parei para pensar de forma profunda sobre essa mudança rápida do conceito de casal. O que é um casal hoje em dia? Então, para o quadrinho, procurei ilustrar isso do ponto de vista de duas mulheres em duas relações, mas de gerações diferentes.”
VIDA
Em sua família, o quadrinista conta que era próximo dos avós do lado paterno, que moravam perto, mas existia uma certa distância por conta das gerações. Em Suzette, ele explora a intimidade de uma maneira muito delicada à medida que os conflitos surgem. Do vocabulário descolado aos aparelhos eletrônicos, o passeio das duas cruza a região costeira de uma Itália intocada. Suzette reconhece alguns pontos do passado, e leva a neta para um mundo antigo, com histórias dos bares, salões e costumes preservados. A memória é algo precioso ali.
PERFIL
Aos 42 anos, Fabien Toulmé se tornou uma figura querida no Brasil, país em que chegou a trabalhar em um período de viagens pela América Latina como engenheiro civil. Em 2008, ele ouviu o coração e retornou à França para perseguir o sonho de criança, ser um ilustrador. Influenciado pela banda desenhada franco-belga (era leitor de clássicos, como Asterix e Obelix e Lucky Luke), Toulmé conciliou as duas carreiras até 2011, quando pôde se dedicar aos quadrinhos em tempo integral.
Foi uma fase de trabalho duro na luta pelo reconhecimento, até o ano seguinte, quando o francês conheceu um editor durante o Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême. Foi o começo de um sonho.
Nesse ínterim, já casado com a brasileira Patrícia, que conheceu em João Pessoa, o cartunista vivenciou um drama que marcaria, também, sua estreia no mundo editorial. Sua filha nasceu com síndrome de Down, o que fez com que Toulmé criasse todo um universo para tratar a questão, ainda hoje considerada um tabu, no quadrinho Não Era Você Que Eu Esperava, lançado em 2014 na França.
Autobiográfico, os dilemas da paternidade de uma criança especial surgiram do traço que ressalta questões delicadas com doçura sem igual, bem como o desespero dos pais de primeira viagem sobre se a criança está respirando durante o sono. Um drama universal que consegue expressar, na história, comicidade.
HORIZONTE
Envolvido em um projeto de cinema, Toulmé foi confirmado para a edição brasileira da Comic-Con, que ocorre entre os dias 1º e 4 de dezembro, em São Paulo. Admirador dos quadrinhos brasileiros, o francês guarda boas lembranças da época em que viveu no País. “Quando estava no Brasil, resolvi recomeçar a ler quadrinhos, são muitos talentos, como Flavio Colin, Fábio Moon e Gabriel Bá”, revela o homem que nunca foi fã das HQs de super-heróis.
Hoje, ele confessa que sente prazer nas mudanças. Além de estar embalado em um projeto audiovisual, só com atores em carne e osso, Toulmé relembra a trajetória e o fato de sempre querer contar histórias através do poder das imagens, razão que o levou aos quadrinhos: “Um ficcionista tem que seguir seus instintos”, afirma. E completa: “Essa liberdade de escolha, a cada final de cena, é complicada, às vezes não escolhemos da melhor forma, eu gosto de fazer coisas que não tenho certeza se vou conseguir fazer, isso também é um encontro com a liberdade”.
SERVIÇO
Suzette, Ou o Grande Amor
Fabien Toulmé
Tr.: Bruno F. Castro
Nemo
336 págs., R$ 94,90 R$ 66,90 o e-book
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.