• ‘Houve realmente uma frustração de expectativas’

  • 14/05/2021 13:15
    Por José Fucs / Estadão

    O biólogo Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é um dos principais responsáveis pela vacina contra covid 19 fabricada pela instituição. Nesta entrevista, ele responde às críticas feitas à Fiocruz pelas seguidas revisões em suas previsões e pelos atrasos na produção e na entrega das vacinas – temas de uma reportagem publicada pelo Estadão na segunda-feira. “Houve realmente uma frustração de expectativas”, diz. Krieger fala também sobre a possível assinatura do contrato de transferência de tecnologia com a farmacêutica AstraZeneca ainda em maio e sobre o adiamento da entrega das vacinas que serão produzidas com insumo nacional de agosto para setembro ou outubro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

    Os dados do Ministério da Saúde mostram que a Fiocruz produziu só 1 de cada 6,5 doses aplicadas até 6 de maio, se tirarmos da conta da instituição os 4 milhões de doses prontas do imunizante Oxford/AstraZeneca importadas da Índia. Como se explica isso?

    Quando se levam em conta as doses, os números não são justos com a Fiocruz. Primeiro, porque incluem as duas doses já aplicadas. Como a vacina Oxford/AstraZeneca já confere com a primeira dose um nível de proteção muito grande, que se mantém por três meses, a maioria das doses foi aplicada apenas uma vez até agora. Então, as aplicações de segunda dose contabilizadas pelo ministério são quase todas da vacina (Coronavac) do (Instituto) Butantan (aplicada com intervalo recomendado de 21 dias entre doses). Na verdade (se você considerar só a primeira dose), a participação da Fiocruz chega a 30% do total (1 a cada 3,3 doses aplicadas). Além disso, se você tira da conta da Fiocruz as doses prontas (de AstraZeneca) importadas da Índia, tem de tirar também as (6 milhões de) doses prontas (de Coronavac) importadas (da China) da conta do Butantan. Se você torturar os números, pode tirar diferentes informações.

    Mesmo que a gente tire da conta do Butantan as doses prontas importadas, isso só vai alterar a fatia deles. A participação da Fiocruz no total continuará a mesma, de 1 a cada 6,5 doses.

    Em termos de doses está bem correto. É isso mesmo. Em termos de pessoas vacinadas, muda um pouco, mas aí pode ser que eu esteja puxando o raciocínio para o nosso lado. Uma coisa importante, na qual a gente sempre pensou, é que a vacina produzida pelo Fiocruz protege as pessoas rapidamente. Isso também tem de ser considerado.

    De janeiro a abril, a Fiocruz produziu 22,5 milhões de doses, menos da metade das 50 milhões prometidas. O que houve?

    Realmente, tivemos algumas intercorrências frente a expectativas que tínhamos. Algumas não se cumpriram, porque alguns cenários nos quais se baseavam não se concretizaram. Inicialmente, a Fiocruz colocou que as bases do acordo com a AstraZeneca previam o recebimento de matéria-prima entre dezembro e janeiro. Mas só recebemos os primeiros lotes em fevereiro. Agora, não me lembro bem desse número de 50 milhões de doses até abril. Mas, tudo bem, isso deve ter sido falado.

    Alguns cientistas e médicos dizem que a Fiocruz deveria ter adotado uma postura mais conservadora nas previsões, para não gerar falsas expectativas. Como o senhor vê essas críticas?

    Entendo que houve frustração de expectativas. Só que, se a gente não tivesse esse arrojo de avançar no projeto em junho de 2020, quando nem se sabia se haveria vacina, não estaria na situação em que está. Agora, entendo o ponto que você menciona e tenho de assumir essa responsabilidade. Talvez a gente pudesse ter sido mais pessimista. Talvez tivesse sido melhor ter dito que iria entregar tudo em junho deste ano e começado a entregar em março. Mas a gente se baseou nas informações que tinha.

    Há uma previsão de entrega de 100,4 milhões de doses produzidas com IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) importado da China até julho. Ela será cumprida?

    A gente deve receber todo o IFA necessário até junho, mas leva um mês para liberar a vacina. Hoje, já está no Brasil o equivalente a 48 milhões de doses. Desse total, mais de 30 de milhões já foram entregues e tem mais 20 milhões para entregar. Estamos com metade do produto aqui, mais parte da outra metade chegando neste mês. Isso nos deixa com confiança de que, em julho, estaremos bem próximos do nosso compromisso. Os lotes que faltam já estão produzidos e só não foram liberados porque ficam em controle de qualidade.

    A Fiocruz se comprometeu a entregar 110 milhões de doses com IFA nacional no segundo semestre. Mas a assinatura do contrato de transferência de tecnologia ainda não saiu. Como isso pode afetar o cronograma?

    Na pandemia, como há um componente de saúde global, houve um tratamento diferenciado das duas partes em relação à informação. Temos grupos técnicos discutindo detalhes da tecnologia desde agosto. Por isso, até agora, a não assinatura do contrato não teve impacto, mas essa situação tem de ser resolvida, porque senão vai afetar. A prioridade agora é fechar o contrato em maio.

    Inicialmente, o compromisso da Fiocruz era entregar essas doses a partir de agosto, mas já se fala em setembro e até em outubro. Isso vai comprometer a meta do 2º semestre?

    Se tudo der certo, a expectativa é de começar a produzir ainda em maio, mas as vacinas não poderão ser liberadas antes da alteração do local de fabricação do nosso registro sanitário. Então, estamos trabalhando com a perspectiva de iniciar a liberação em setembro ou outubro. Isso não quer dizer que só vamos começar a produzir em outubro. Tudo que tivermos produzido até lá será liberado quando a gente tiver o registro. Serão 60 milhões de doses no total, o equivalente a uma produção de 15 milhões por mês de junho a setembro.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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