Hora de pensar com eficácia
Alinhar incentivos corretos aos resultados pretendidos é condição indispensável para sermos um País realizador. Nosso maior especialista nesse descaminho da coerência ao longo de nossa História, em especial da republicana, foi Roberto Campos. Seus artigos, ensaios e livros refletem essa angústia de ter olho em terra de cegos. O desastre da Lei da Informática, que nos atrasou por mais de uma década, foi emblemático. Por sua vez, o corajoso artigo “Abertura já”, de Gustavo Franco (Estadão, 29/11/2015), ilustra mais um de nossos erros trágicos de política econômica na área externa. Preferimos o aconchego do limitado mercado interno ao mercadão internacional.
Nosso propósito é buscar entender o fato de o brasileiro não ser treinado a pensar. A medida dessa calamidade é o fato de termos, a rigor, apenas um quarto da população funcionalmente alfabetizada. A importância de cultivar o hábito da leitura é uma daquelas obviedades que temos tido dificuldade de pôr em prática de modo abrangente. Nosso cacoete gramatical acentua a volúpia pela forma em detrimento do conteúdo.
Repare, caro(a) leitor(a), que a tônica de uma aula de inglês em filmes americanos ou ingleses é sempre debater um texto. A isso se soma a tradição de resumir textos de 600 em apenas 80 palavras, o que lhes treina a concisão e a percepção para ir ao âmago das questões. A gramática nasce do texto no processo de aprender a destrinchar o pensamento do autor.
Ainda me lembro dos meus tempos no conceituado Instituto Carlos A. Werneck, no início da década de 1960, aqui em Petrópolis, no dia em que meu professor de português faltou e o diretor do colégio, carinhosamente chamado de Wernecão, foi substituí-lo. Ele leu e debateu conosco um texto sobre o rio Paquequer, que banha a região serrana fluminense. Qual cachimbo imaginário, que deixa a boca torta, meu raciocínio, na época, seguiu pela mesma vereda e me induziu a concluir “brilhantemente” que ele havia perdido uma bela oportunidade de dar uma boa aula de gramática.
A segunda obviedade, questionável, de meus tempos de estudante era a seguinte: leia muito para escrever bem. A verdade é que ler muito não basta. É mandatório seguir a máxima de Simone de Beauvoir: “Escrever é um ofício que se aprende escrevendo”. Só aí me dei conta de que ler bem nos treina a seguir o pensamento do autor, mas é insuficiente para desenvolver o nosso. Daí a necessidade de escrever com frequência para aprender a pensar.
O Colégio São Bento, no Rio de Janeiro, exige duas redações por semana de seus alunos, o que explica seu sucesso secular em ensinar a pensar. E o que teria sido o Brasil se tivéssemos ensino público de qualidade com essa visão. Por muito tempo, optamos pela “pedagogia” da aprovação automática, a garantia de ficar nos últimos lugares nas avaliações internacionais de lingua-gem, matemática e ciência. A mágica besta de ter bom resultado sem esforço.
Quanto ao exercício de aprender a pensar, nada como a pesquisa do Prof. Cláudio de Moura Castro sobre o SENAI, quando estava no IPEA (1972). No início, fez pouco caso. Pensou que iria se deparar com mais uma escolinha do Prof. Raimundo. Em seguida, se surpreendeu com a metodologia do aprender fazendo do SENAI e seus resultados excepcionais.
Cabe ainda comemorar, no caso a convergência da inteligência prática com o raciocínio abstrato. O aluno oriundo de uma família de baixa escolaridade não traz de casa familiaridade com este último. Mas o aprender fazendo acaba por lhe dar a confiança e o domínio dos princípios gerais (abstratos) que estão por trás da prática do dia a dia. Com o passar do tempo, ele se sente tão equipado para pensar em termos abstratos quanto o jovem proveniente de famílias cujos pais tiveram acesso ao ensino superior e lhes transmitiram, desde cedo, esse poderoso instrumento.
O próprio Prof. Castro confessou ter frequentado na juventude o chão de fábrica de uma metalúrgica, onde gazeteava as aulas de sua entediante escola. Ele se livrou das gramatiquices e pôs a mão na massa da vida como ela é. Essa experiência incomum, do tipo oficina do SENAI, foi uma bênção para ele. Fez depois um doutorado em Economia nos EUA, e é hoje autoridade em educação mundialmente respeitado. Nessa área, ocupou cargos de primeira linha em instituições internacionais. E continua escrevendo muito, e bem. Uma de suas últimas batalhas foi contra o Plano Nacional de Educação, peça equivocada e inócua, segundo ele, da pátria (des)educadora do então governicho Dilma.
Pensar com clareza e objetividade é a base sólida para agir, em especial para saber a diferença entre eficiência e eficácia, de que nos fala Peter Drucker. Fazer bem feito é importante, mas fazer a coisa certa o é mais ainda. Aquele hábito dos rabinos de dar contexto ao ato de pensar. Ao invés da resposta óbvia de que o cavalo mais rápido chegaria antes, eles nos arguem querendo saber se o cavalo estava indo na direção correta (eficácia). Essa costuma ser a pergunta que não nos fazemos, mas que Roberto Campos se fazia.
Cabe, nessa linha, mencionar o exemplo de Brejo Santo, no interior do Ceará. Em apenas cinco anos, a cidade saiu da vala comum do tétrico desempenho das escolas públicas municipais para o primeiro lugar na avaliação do Ideb. Esse desempenho excepcional resultou da determinação de um jovem prefeito médico que fez da educação seu projeto político. O café da manhã dos alunos é debater um bom texto. A nota obtida, em 2013, pela cidade foi de 7,2 (de zero a 10) ante a média do aproveitamento nacional de apenas 5,2 e bem acima da meta nacional, na época, de 6 para 2020.
Mas ser uma País realizador exige combinar educação de qualidade com espírito empreendedor, ou seja, com a capacidade de fazer acontecer. Encolher o governo e superar o preconceito contra a atividade empresarial, elemento-chave do crescimento da produtividade, é o passo a ser dado para elevar o emprego e o salário real do trabalhador em bases permanentes, o sadio oposto do regresso ao voo de galinha de quem perde tempo como Lula em rotular de fascistas os empresários do agronegócio.
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