Herdeiros de empresas familiares buscam curso voltado ao processo de sucessão
A sucessão é uma “dor” comum nas empresas familiares. Ao perceber que esse processo de troca de comando entre as gerações era um tema que tirava o sono de algumas famílias, o banco de investimentos Citi lançou um curso focado na preparação de herdeiros, que chegou à sua quinta edição na última semana.
O treinamento começou a ser ministrado depois de um questionamento de um cliente que passava por um processo de sucessão e pediu uma formação voltada para esse desafio. Desde então, o curso já formou 130 herdeiros.
Os conteúdos são desenvolvidos com a Cambridge Family Enterprise Group, instituição especializada em sucessão. Já o Citi entra com as matérias relacionadas a assuntos financeiros, como mercado de capitais e tesouraria.
A necessidade de formação mais ampla dos sucessores, de acordo com Helena Rocha, sócia da consultoria e auditoria PwC, intensificou-se durante a pandemia de covid-19, em meio aos desafios enfrentados pelas empresas.
E a necessidade, aponta ela, é de conteúdos específicos, e não de educação formal, algo que esse público jovem já tem. “Entre esses jovens (herdeiros), 84% já possuem diplomas universitários e 32%, MBA ou doutorado, mas agora as empresas precisam de novas perspectivas, com ênfase maior nas pessoas e nos propósitos, e não só no crescimento do negócio”, diz Helena.
A especialista afirma que, embora os grandes negócios estejam olhando para o futuro, ainda existe uma barreira de comunicação entre as diferentes gerações. “O plano de sucessão é um dos eventos mais importantes e um momento único na vida de uma empresa familiar”, afirma a especialista.
Objetivos
Os desafios das empresas familiares são grandes em todo o mundo, destaca o responsável pela área de Prática de Conselhos e Sucessão de CEOs da Egon Zehnder no Brasil, Luis Giolo, que vem ajudando empresas familiares neste processo.
“Ao contrário de corporações, que se concentram principalmente no aumento do valor para o acionista, as empresas familiares normalmente agem em nome de partes interessadas, com interesses múltiplos e potencialmente conflitantes”, afirma ele.
Por isso, uma estrutura forte de governança é a estratégia para garantir que a companhia não seja prejudicada ou até deixe de existir em meio a conflitos pessoais.
“As melhores empresas têm colocado um robusto processo de sucessão, com regras de governança claras, muitas vezes proibindo que outros familiares ocupem posições na empresa, de forma a encerrar o ciclo de liderança familiar no futuro”, ressalta Giolo.
Curso já formou três CEOs
Entre os potenciais novos líderes de negócios familiares que passaram pelo curso ministrado pelo Citi desde 2017, a idade média é de 25 a 30 anos – o mais jovem tinha 19 anos. Cerca de 80% dos alunos já trabalham nos negócios que poderão vir a comandar, enquanto três estudantes já foram alçados ao cargo de CEO.
No curso deste ano, uma das participantes foi Julia Cavalca Knack, de 26 anos, uma das herdeiras do Grupo Cavalca, fundado por seu avô há mais de 70 anos. A holding nasceu como produtora de grãos, mas hoje tem também uma trading (de exportação e importação) e uma construtora. O negócio está preparando a terceira geração da família para uma futura sucessão. A família colocou na mesa que tudo será feito de forma estruturada, com o auxílio de uma consultoria.
Formada em Comércio Exterior, Julia já atua como gerente financeira do grupo. “Entre as coisas que aprendemos foi a importância da preparação dos líderes de terceira, quarta, quinta geração. Esse seria um sonho de meu avô: perpetuar a empresa. E para isso é importante a preparação dos acionistas”, diz. Após o curso, ela pensa em buscar uma pós-graduação em mercado de capitais.
Colega de Julia no curso, Eloisa Guerra Nogarolli, 24 anos, escolheu uma área de formação distante da atividade da empresa da família, a varejista Cia. Sulamericana de Distribuição. Ela acaba de se formar em Psicologia. Depois do curso do banco americano, ela acredita estar mais preparada para falar de negócios com o pai e os tios, que comandam a empresa. “Meus pais nunca me pressionaram e me deram liberdade para fazer minhas escolhas. Mas, ao mesmo tempo, entendo que existe uma responsabilidade.”
De olho em participar do dia a dia da empresa, Eloisa identificou que precisa fazer um curso de Matemática. Ela ressalva que deverá equilibrar a carreira de psicóloga com o acompanhamento do negócio: “Se não fizer isso, sempre irei ficar com a pulga atrás da orelha.”
Quinta geração
A Melhoramentos, negócio centenário do setor editorial fundado em 1890, está partindo para a quinta geração. O negócio faz parte de um clube muito seleto: segundo a PwC, apenas 5% das empresas familiares chegam à quinta geração.
Na Melhoramentos, Paula Weizflog acaba de assumir uma cadeira no conselho de administração. “A família está apenas nos conselhos – de administração, de acionistas ou da família”, diz Paula, que por duas décadas esteve ligada às pautas de sustentabilidade de empresas, mas não atuou na Melhoramentos.
Agora escolhida presidente do colegiado, ela tem colocado no topo das prioridades a pauta ESG (de iniciativas ambientais, sociais e de governança). “Para se perpetuar, a empresa tem de mudar, assim como a sociedade”, afirma Paula, ressaltando que o negócio tem de se alinhar com os propósitos da nova geração de líderes.
Passo a passo
• Governança estruturada
Para que o processo tenha mais chance de êxito, especialistas lembram que a estrutura de governança corporativa da empresa precisa estar estruturada de forma a evitar que questões pessoais afetem seu dia a dia.
• Perfis
Muitos negócios estão contratando consultorias para estudar o perfil da próxima geração que assumirá a empresa: algumas companhias optam por buscar executivos de mercado, deixando a família apenas no conselho, enquanto outras tentam unir as áreas de interesse de cada herdeiro a um departamento específico.
• Comunicação
As diferentes gerações precisam se comunicar para definir a melhor estratégia da empresa e conseguir promover a transição, com um sucessor aprovado por todos.