• ‘Geringonça’ no Brasil será mais difícil, diz pesquisador

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  • 08/01/2023 08:20
    Por Wilson Tosta / Estadão

    O cientista político português André Freire, autor de Para lá da ‘Geringonça’ – o governo de esquerdas em Portugal e na Europa (Lisboa, 2017, Contraponto Editores), vê pouca semelhança entre a aliança de apelido jocoso – que há alguns anos uniu, no governo luso, os partidos Socialista, Comunista, Os Verdes e o Bloco de Esquerda sob a liderança de António Costa – e a frente ampla pretendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Brasil.

    Para o pesquisador, há poucos paralelos entre a coligação formada por legendas esquerdistas lusitanas – que havia 40 anos não conseguiam se unir para governar – e a união tentada por Lula no Brasil, que vai do PSOL à direita moderada. O que se desenha no País, observou, é uma “grande coligação”, com perfil “arco-íris” – da esquerda radical à “direita democrática”. Exigirá muito de Lula e pode não funcionar.

    “(A grande coligação) É uma frente ampla que até pode ter mais partidos do que os que são necessários para fazer a maioria absoluta”, afirmou Freire, que é doutor em Sociologia Política, Ciência Política e Governo pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e atual diretor de Doutoramento do Instituto Universitio da capital portuguesa (ISCTE-IUL). “Agora, não vai ser fácil. Desse ponto de vista, é uma geringonça. Geringonça significa uma máquina que você não espera que funcione. Uma coisa que a gente não espera que as peças se juntem.”

    O que o senhor, que estudou a Geringonça, teria a dizer sobre a frente pretendida por Lula no Brasil?

    Eu acho as situações muito diferentes. Porque o que nós tínhamos aqui (em Portugal) era uma situação em que, ao longo de 40 anos, as esquerdas nunca tinham conseguido entender-se para governar. Nosso sistema é diferente do vosso, porque não é presidencialista, é semipresidencial, mas, no fundo, funciona como um sistema parlamentar.

    Quais outras diferenças o senhor vê?

    O que tivemos aqui não foi uma grande coligação. O que vocês vão ter aí? Eu acho que é diferente. Eu sei que até cientistas políticos meus amigos falaram na Geringonça, logo quando o Lula chamou o (vice-presidente Geraldo) Alckmin. Um homem que vem do PSDB, essa talvez seja a novidade. O PSDB também está a se desfazer. Eu acho que vocês têm partidos demais, deve ser o sistema político mais fragmentado do mundo, em termos de número de partidos. Acho que é preciso uma frente ampla, o Lula tem que fazer.

    Como? Em torno de quê?

    Eu acho que o Lula não tem uma tarefa fácil pela frente. Eu acho que essa solução política brasileira é mais comparável com o que nós, em Portugal, chamamos bloco central. Porque, apesar de tudo, o (ex-presidente Jair) Bolsonaro e as forças ligadas ao Bolsonaro, a direita radical e a extrema direita tiveram votações muito significativas, e o próprio (Bolsonaro), apesar de tudo, teve uma votação confortável. Eu acho que o Brasil precisa, e é o que o Lula está a tentar fazer, de uma frente ampla. Na Europa, costumamos chamar a isso uma grande coligação, uma coligação sobredimensionada e que é arco-íris. A nossa Geringonça não era arco-íris. Os cientistas políticos chamam arco-íris quando tem a esquerda e a direita juntas, não é? Sabe para quê? Para defender a democracia.

    A Geringonça brasileira periga não funcionar?

    Exato! A nossa funcionou muito bem para surpresa de todos. Cumprimos as regras europeias do déficit da dívida, cumpriu-se o programa do acordo tripartido. Funcionou bem. Uma coisa fez aquilo funcionar. Como havia um cerco sobre a tal Geringonça, houve um cerrar de fileiras. Pode ser que isso funcione aí.

    O que faltaria para o governo Lula ser uma Geringonça, e ela funcionar?

    Há uma direita democrática no Brasil. É essa que deve ser cooptada para essa frente ampla. E depois é uma atitude compromissória de todas as partes. Ninguém vai ter o seu programa todo aplicado, toda a gente vai ter que ceder um bocadinho para fazer aproximações. Não vai ser fácil.

    Recentemente, a Polícia impediu a explosão de uma bomba em um caminhão de combustíveis numa estrada que leva ao aeroporto de Brasília. O sr. acredita que esse tom da oposição pode influenciar na coesão da aliança, se poderia facilitar que a frente ampla se mantivesse?

    O cerco à Geringonça portuguesa era de uma oposição digamos leal, não é? Isso (o recurso a ações violentas no Brasil) é uma posição desleal e é terrorismo. Isso pode funcionar como “um cimento” da Aliança, pode. Agora tem de ver, o Brasil tem um estado de direito e tem de cumprir as leis. Isso (oposição violenta) é completamente inaceitável, é terrorismo, lamentável. E também não é uma novidade. É um contágio norte-americano, aquela arruaça estimulada pelo presidente (Donald Trump) no Capitólio (em 6 de janeiro de 2021) foi uma coisa lamentável e tem um certo paralelismo (nas ações violentas de bolsonaristas no Brasil). Acho que, por estranho que pareça, isso pode ser um elemento de coesão (do novo governo).

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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