• GeoSerra: criação de instituto de geologia não avança após tragédia

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  • 29/05/2022 08:29
    Por João Vitor Brum

    As chuvas sem precedentes que atingiram Petrópolis em fevereiro e março deste ano, apontaram a necessidade urgente de um sistema mais preciso de monitoramento de condições climáticas na cidade e em toda a Região Serrana do Rio – algo que já vem sendo discutido desde o desastre de 2011. Uma das soluções mais apontadas por especialistas desde a tragédia é a criação de um instituto de geologia na cidade, nos moldes do Geo-Rio, que opera há mais de cinco décadas na capital fluminense na prevenção de desastres naturais. Porém, a criação do “GeoSerra”, como tem sido chamado informalmente, não apresentou avanços desde então.

    As mudanças climáticas têm sido cada vez mais evidentes em Petrópolis. As duas tempestades que atingiram a cidade nos meses de fevereiro e março entraram para a lista das piores chuvas da história do país. Com corpo de profissionais ainda pequeno e equipamentos defasados, o principal caminho para diminuir os riscos é investir em prevenção e em sistemas de monitoramento eficazes.

    “Precisamos criar um setor que tenha monitoramento mais eficiente, que temos chamado de GeoSerra, mas pode ser qualquer outro nome ou instrumento da Defesa Civil. O foco deve ser em melhorar o monitoramento, porque o que percebemos atualmente é que, apesar de muita gente monitorar, os dados são divergentes”, explicou a titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Petrópolis, Zilda Januzzi.

    Para o secretário de Defesa Civil, a ampliação de equipes que viria com a criação de um instituto geológico seria a única forma de garantir a prevenção eficaz, já que o corpo atual do órgão não consegue dar conta de todo o trabalho.

    “A Defesa Civil tem geólogo, meteorologista, engenheiros na equipe, mas não temos como tirar as equipes do trabalho diário para estudar parâmetros de chuva ou obras preventivas de uma forma mais ampla. Nesse momento, por exemplo, são mais de 10 mil laudos para apurar. Precisamos de estudos, mas não temos braço para isso”, disse o secretário Gil Kempers.

    Um monitoramento eficiente também ajudaria a criar uma relação de confiança entre os moradores de localidades de risco e a Defesa Civil, garantindo que alertas sejam respeitados.

    “Para a Defesa Civil, planejar algo ou dar um alarme é complicado sem os instrumentos necessários, porque caso um alarme falso seja emitido, a população deixa de confiar no sistema. Para melhorar neste sentido, precisamos de radares de alta precisão e outros equipamentos essenciais”, destacou Zilda.

    A compra de um radar para a cidade, por meio de uma emenda do Senado, está prevista para 2023, mas ainda não foi confirmada. O pedido do equipamento foi feito aos senadores pela Câmara Municipal em audiência pública realizada em abril. Aliado aos novos equipamentos, uma revisão dos protocolos também é essencial.

    “Vivemos uma mudança nos padrões de chuva. As duas chuvas em Petrópolis e a de Angra logo depois, em abril, evidenciam isso. Os processos precisam ser revistos, pois tudo foi criado para um padrão de chuva que, hoje, é muito maior. A criação de um instituto de pesquisa para desastres, que seria o GeoSerra, é muito importante para isso”, disse Kempers.

    Para o secretário de Defesa Civil, a cidade vai se tornar um case importante no sentido de prevenção a desastres naturais no Brasil, tendo como foco os trabalhos preventivos.

    “Petrópolis vai ser referência em uma mudança de paradigma. No Brasil, não se enxerga a Defesa Civil como política pública. Todo o aporte financeiro é voltado para o pós, mas precisamos investir na prevenção. Uma cidade com características geológicas e geográficas como as de Petrópolis precisa ter um outro olhar neste sentido, e acredito que isso vá mudar a partir da tragédia deste ano”, ressaltou Gil Kempers.

    Mesmo com a necessidade, pouco avançou para a criação do GeoSerra. Para a promotora do MPRJ, o ideal seria que a cidade já estivesse melhor preparada para o próximo verão.

    “A lógica seria fazer isso o mais rápido possível para que, no próximo verão, já houvesse algum avanço. A política de Defesa Civil, antes de tudo, deve ser de prevenção, mas os recursos disponíveis são apenas para resposta e reconstrução. Isso também precisa mudar. Aliado ao monitoramento, é preciso, também, fortalecer capacidades locais, treinar as lideranças das comunidades para que saibam o que fazer em um momento de emergência. As pessoas precisam saber as rotas de fuga, saber a quantidade de chuva necessária para causar um escorregamento, criar uma cultura nas comunidades para que as pessoas saibam quando sair daquele local. A intenção é, aos poucos, deixar a cidade mais preparada”, concluiu Zilda.

    “Precisamos de um instituto dedicado à população, a atender às necessidades do povo, com análises, vistorias. Precisa-se criar uma cultura de respeito aos embargos, de confiança no trabalho do poder público. Sem isso, nada vai mudar”, completou o geólogo Johannes Stein.

    Geo-Rio é usado como exemplo de monitoramento de áreas de risco

    A Fundação Geo-Rio foi fundada há 56 anos, após fortes chuvas que atingiram a capital fluminense no verão de 1966. Desde então, o órgão é responsável pela gestão do risco geológico-geotécnico, realizando intervenções públicas, licenciando e fiscalizando obras particulares e exploração mineral, com foco na segurança da população carioca. A fundação é ligada à Secretaria Municipal de Obras do Rio de Janeiro.

    Em 1996, foi implementado pela fundação o sistema Alerta Rio, que mantém 33 estações pluviométricas espalhadas pela cidade para monitorar as chuvas. A partir da análise das condições meteorológicas, o sistema emite alertas em casos de possibilidade de escorregamento, que são divulgados à população por meio da imprensa e aos órgãos municipais responsáveis pela retirada das famílias dos locais e outras ações preventivas.

    Além das obras, o órgão ficou responsável pelos levantamentos e cadastramentos das características geológico-geotécnicas dos solos, das rochas e das jazidas de materiais de construção e pelo licenciamento e fiscalização dos projetos de contenção de encostas e de exploração de jazidas da iniciativa privada. A GEO-RIO também é responsável por licenciar as construções em área de encosta.

    Em Petrópolis, a demanda por estudos geológicos é grande e passa por diferentes áreas da cidade, como construções em áreas de encosta e formas de conter o impacto de deslizamentos e deslocamento de rochas. Por isso, a criação de um instituto na cidade nos moldes do Geo-Rio se faz tão necessária.

    O geólogo e morador de Petrópolis Johannes Hinrich Stein, que já foi conselheiro do Geo-Rio, explica que um instituto neste modelo é essencial para conscientizar a população e salvar vidas.

    “Petrópolis devia ter um instituto deste há muito tempo, e é algo conversado há anos, mas que precisa ser estruturado e atuar de forma efetiva. A Geo-Rio funciona, ajuda a salvar vidas e evitar acidentes como os que se tornaram corriqueiros em Petrópolis. Sempre vão ter surpresas, porque a natureza segue seus processos, e por isso é importante ter um órgão independente de governos, que mantenha um trabalho contínuo”, disse Johannes. 

    Importância da geologia no trabalho preventivo

    Nesta segunda-feira, 30 de maio, a regulamentação da profissão de geólogo completa 60 anos no Brasil, data em que é celebrado o Dia do Geólogo no território nacional. A lei que regulamenta a profissão é a nº 4.076 e seu cumprimento é fiscalizado pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea).

    A presença da geologia no cotidiano começa nos aparelhos eletrônicos que utilizamos vindos de recursos minerais, como ferro, alumínio e cobre, às descobertas de grandes riquezas naturais, como a camada pré-sal. A geologia também é muito importante para o estudo dos abalos sísmicos (terremotos), escorregamentos de terra e outros impactos naturais, possibilitando identificar áreas de risco em diferentes.

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