• Futebol, política, Brasil e Coreia do Sul

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  • 10/12/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    Nelson Rodrigues resumiu em frase memorável nossa paixão pelo futebol: “É a pátria de chuteiras”. Somos exigentes e implacáveis nessa área, e a levamos extremamente a sério. Técnicos que não dão conta do recado são trocados rapidamente sem dó nem piedade. Nossas crianças e jovens, pobres e ricas, praticam futebol à exaustão em campinhos improvisados ou em clubes. São capazes de jogar horas a fio com dedicação e entusiasmo. Todo este esforço foi premiado: somos o único país presente em todas as copas, e aquele que ostenta cinco estrelas na camisa canarinho, agora em busca do hexa.

    No mundo da política, fomos para o lado oposto. A constituição de 1988 foi construída com extrema participação popular, onde cada grupo de interesse defendeu seu quinhão sem se dar conta do efeito sobre o conjunto da obra. O texto, a despeito de louvores de vários juristas, foi duramente criticado por Roberto Campos, por José Sarney e ainda por juristas com a cabeça no lugar. Sarney, em momento de rara lucidez, nos alertou para o que viria: o Brasil se tornaria ingovernável. Pelo jeito, acertou na mosca, tendo em vista nossa coleção de décadas perdidas.

    Em livro a ser lançado em breve no Brasil, intitulado “Por uma Nova Carta – Mensagem à Nação Brasileira, o Prof. José Stelle nos fala dos riscos da democracia acuada pelo populismo. Sólon, na Grécia, no século VI a.C., recebeu o cognome de O Libertador por ter legado aos atenienses leis aplicáveis igualmente a nobres e plebeus. A Carta de 1988 não obedeceu a esse princípio multissecular da boa técnica constitucional. Aristóteles, em “A Política” já dizia: “É correto que a Lei governe, e não um homem ou outro”. É exatamente o que está acontecendo hoje no Brasil com o protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, que precisa urgentemente reler Aristóteles, se é que já o leu.  

      Tive a oportunidade de assistir recentemente uma série sul-coreana intitulada “Uma advogada extraordinária”. Trata-se do caso de uma autista com memória fotográfica que cursou a Faculdade de Direito em primeiríssimo lugar e foi trabalhar num renomado escritório de advocacia. A série nos permite constatar quão saudável foi para a Coreia do Sul ter adotado as boas práticas institucionais ocidentais, que resultaram em seu estrondoso sucesso na economia num período muito curto de pouco mais de uma geração. 

    Ainda me recordo dos tempos em que a Coreia do Sul tinha uma renda per capita de 300 dólares e nós, de 500. Pois bem, em menos de meio século a Coreia do Sul se transformou em um país subdesenvolvido em desenvolvido ao levar a educação de seu povo extremamente a sério. Construiu seu capital humano com determinação, remunerando muito bem seus professores, e ainda dando-lhes reconhecimento social. Em boa medida, fomos na direção oposta. Seus professores saem do terço superior de seus universitários ao passo que os nossos vêm saindo do terço inferior. Uma opção funciona, a outra não.

    A reação tradicional é argumentar com a disciplina que eles têm e nós, não. Obviamente, esquecendo de olhar em direção à sua irmã, a Coreia do Norte, que mal consegue alimentar sua própria população. Ao longo dos séculos, as duas Coreias compartilharam a mesma língua, as mesmas tradições culturais e até a mesma raça. Uma deu um salto espetacular e a outra continuou marcando passo. Algo muito parecido se deu com as duas Alemanhas, a ocidental e a oriental comunista, agora unificadas. O que teria acontecido?

    Basicamente, tem a ver com a qualidade das instituições adotadas pela do Sul em relação à da Coreia do Norte, perdendo tempo até hoje em saber se o gato é preto ou branco, e não se come ratos, famoso alerta de Deng Xiao Ping. Douglas North, Nobel de Economia, definia, de forma simples, que “Instituições são as regras do jogo numa sociedade”. Regras erradas, resultados errados.

      Comemorar nossa maestria em futebol é motivo de justo orgulho nacional.

    Mas será que basta? Não mesmo! O calcanhar de Aquiles vai bater na questão educacional. Tornou-se moda a chamada educação crítica com viés antimercado. Na verdade, é imperioso ensinar à juventude a pensar com o necessário respeito aos fatos, coisa que não estamos conseguindo. Os gastos por aluno no ensino básico público nos EUA e na Europa é maior do que é despendido no ensino superior per capita nesses países. No Brasil, fazemos o oposto.

    Ainda me lembro bem de um cartaz colocado no saguão de entrada da  minha faculdade de Economia da UFRJ, em 1967. Ele nos informava sobre as necessidades de profissionais do mercado nas áreas oferecidas, que eram as seguintes: ciências atuariais, contabilidade, administração e economia.  Mas as preferências dos vestibulandos iam na direção oposta. Não é preciso muita imaginação para concluir que, após quatro anos de estudos, uma parte significativa dos formados acabava tendo dificuldade de colocação no mercado de trabalho, situação que se mantém até hoje, por exemplo, em cursos como os de Direito dentre outros. A má formação em matemática explica em parte. 

    Recentemente, participando de um seminário sobre TI (Tecnologia da Informação) tive a oportunidade de, mais uma vez, constatar que é um setor onde a demanda por profissionais com boa formação supera em muito a oferta. E não se trata de ter ou não curso superior para fazê-los. São cursos de duração relativamente curta que oferecem remuneração elevada quando comparados com diversas carreiras que exigem formação superior, mas não têm demanda de mercado.   

    Termino comentando o espírito esportivo dos jogadores coreanos, após o 4 a 1, visitando o vestiário da seleção brasileira para cumprimentar os nossos craques. Pura diplomacia? Não só isso. Tem muito a ver com a determinação de aprender com o que sabe, e, depois, fazer melhor ainda. Exatamente o que aconteceu quando a Coreia do Sul foi capacitar-se com os EUA e Europa e depois foi além. Que tal aprendermos a lição? Antes tarde do que nunca. 

    (*) Link para o vídeo FUTEBOL E POLÍTICA, no Dois Minutos com Gastão Reis

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