Frutolândia: no radar do público
O carro não era “forte”, mas ainda assim transportava mercadorias de altíssimo valor. Longe de ser blindado ou ultra protegido, dava seu jeito de chamar tanta atenção quanto os referidos furgões. Marca registrada da Frutolândia, o caminhão de frutas da loja estava sempre no radar do público: ávido por levar consigo parte daquele patrimônio.
Mas antes que se fale em acionar a Justiça ou condenar quem quer que tenha, uma vez ou outra, imaginado como seria ter o “carro-forte” para si, que fique claro que os dirigentes da loja já estavam até acostumados com os olhos compridos do público. Eram diárias, por exemplo, as visitas da aposentada Marta Fernandes de Azevedo, de 69 anos à loja.
Então grávida de seu primeiro filho, Marta conta que trabalhava numa farmácia situada próximo ao estabelecimento e que se via com um incessante desejo por uvas verdes. “Aquela uva me chamava atenção e desejo de grávida é fogo, aí sempre que eu passava em frente à loja um dos funcionários me deixava pegar uma uvinha”.
Descrita por seu fundador, o empreendedor José Amaral, de 75 anos, como uma das primeiras casas especializadas em hortifruti da cidade, foi no momento em que começaram a surgir os primeiros supermercados em Petrópolis que a Frutolândia decidiu apostar no departamento em que, normalmente, eles deixam a desejar: o de frutas e legumes.
“A Frutolândia surge em 1972 já com uma filosofia de autoatendimento para que o cliente pudesse chegar e escolher as mercadorias, e Petrópolis abraçou muito nossa ideia”, diz José, que aproveita para recordar os dias que antecediam o Natal: período de muito trabalho, pouquíssimo descanso, mas uma realização sem igual no prazer que era servir.
“Eu passava praticamente três dias e três noites sem ir em casa. À noite fazia as compras no Rio e de dia atendia. Passei anos a fio sem ter uma ceia por causa do cansaço”. Chegando a improvisar uma espécie de tenda entre o caminhão e a marquise para facilitar as vendas, antes de do carro saírem, as mercadorias já tinham destino garantido.
Em sua maioria: saladas de frutas e arranjos natalinos preparados por petropolitanos. José explica que o importante era não haver desperdício, principalmente levando em consideração o risco de perda dos alimentos perecíveis que, no caso dos morangos, por exemplo, quando não vendidos eram repassados a uma fábrica de produção de geléia.
Estando a frente do negócio, as preocupações do empresário eram, evidentemente, várias, mas não a de sentir que havia cumprido sua missão: “Trabalhamos com duas necessidades humanas: o lucro e o sentimento de servir. E eu sentia prazer em servir da forma que fazia e com produtos de qualidade”.
Imagens capturadas pelo Google Maps em 2011 e 2019, respectivamente, trazem fachada daquela que foi lar das frutas e do respeito pela forma com que o empreendedor José Amaral conduziu, de forma ética e responsável, o negócio que fundou.
Por dentro do carro-forte
Ele não teve que arquitetar nenhum plano mirabolante para conhecer o caminhão da Frutolândia. Para falar a verdade, o senhor José Luiz Carius, de 68 anos, praticamente cresceu dentro dele. Cunhado de ‘Zé Amaral’, começou a trabalhar na Frutolândia aos 18 e nela ficou por praticamente 50 anos: de motorista a sócio.
“Meu cunhado foi quem fez a freguesia. Eu e Geraldo, meu antigo sócio, tocamos a partir dali. Vendíamos mil caixas de morango por dia. Era muita coisa”. Filho de feirante, ‘Zé Luiz’, relembra as cargas de trabalho carregadas na Frutolândia: tanto as literais – 30 caixas de laranja com 25 quilos cada, quanto a demanda provocada por períodos festivos.
“No Natal a gente dormia em cima do balcão. Nem ia pra casa. Eram 15 mil quilos de melancia vendidos, cinco mil unidades de abacaxi, mil caixas de uva rosada”. Tal qual o discurso de José Amaral, os sacrifícios vividos por Zé Luiz na época do negócio são imediatamente seguidos pela afirmação de que “valeu a pena”.
Ele lembra, por exemplo, da maratona que foi o dia do nascimento do filho. ‘Seu’ Zé havia ido ao Ceasa para repor as mercadorias e, de volta da viagem, já correu para o hospital. “Eram sete da manhã. Eu estava no sofá e disseram: nasceu. É um menino. Fui lá ver e voltei pra loja trabalhar. Tem que ter muita força”.
Questionado sobre a origem de sua força, o aposentado dá uma resposta inusitada. Autêntica, mas inesperada: fé em Deus e inhame. Nascido em Sardoal, terceiro distrito de Paraíba do Sul, o ex-funcionário faz questão de valorizar as origens e aprender com as dificuldades que até aqui conduziram seu “carro-forte”.
Quando pequeno ele diz que pão na mesa era só às terças e sábados. No restante dos dias a alimentação era baseada, sobretudo, em inhame e massa de pastel. Genuína, a família Frutolândia surpreendeu por sua qualidade e, inclusive, por seus gestos de bondade. O petropolitano Wilson Ferreira de Souza, de 70 anos, lembra das doações feitas pela loja.
Wilson desempenhava ações comunitárias e afirma que sempre que precisou de doações para almoços, jantares e tardes festivas da igreja com a qual colaborava, era à Frutolândia que recorria. “Eles nos davam tudo que precisávamos. Chegavam junto sempre que precisávamos e nos deixavam à vontade, mesmo quando ficávamos sem graça”.
Sem nem tentar, a empresa soube chamar atenção tal qual fez com a família do comerciante Francisco Araújo, de 45 anos. Tanto ele quanto o pai foram funcionários da casa. “Entrei com 14 e saí de lá com 29. Já meu pai, Francisco, trabalhou com eles por uns 40 anos. O José Amaral é muito humano. Sempre soube colocar as ideias dele em prática”.
No radar do público, mais até do que lar das frutas, a Frutolândia se tornou casa de um patrimônio ainda maior: o do respeito por quem soube liderar com ética e respeito sem nem precisar de carro a prova de balas.
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