‘Fragilizar Lei das Estatais é coisa de político retrógrado’
Em fevereiro de 2021, quando deixou a Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras, Marcelo Zenkner alertou para “sinais concretos” de interferências do governo em sua área. Ex-promotor de Justiça no Espírito Santo, ele entende que seu receio se confirmou. A Petrobras mudou quatro vezes de CEOs em quinze meses, no governo Jair Bolsonaro.
Neste mês, a Câmara aprovou uma mudança na Lei das Estatais que reduziu de 36 meses para apenas 30 dias a quarentena para políticos ocuparem diretorias das empresas – a medida será analisada pelo Senado. Ao Estadão, ele afirmou que a mudança permite que a “erva daninha da corrupção” encontre “terreno fértil para brotar, crescer e debilitar” as estatais.
O sr. deixou a Petrobras alertando para riscos à integridade, independência e autonomia da empresa. Esses pilares foram comprometidos pela gestão política?
Quando optei por não renovar meu mandato já havia sinais concretos de tentativas de interferência do acionista majoritário na governança da Petrobras, o que, à época, já não era admissível. Essa minha percepção, ao longo dos últimos dois anos, infelizmente se concretizou repetidas vezes. Basta lembrar as insistentes trocas de CEO’s, as quais eram sempre justificadas pela necessidade de redução dos preços dos combustíveis. Houve, ainda, a indicação e eleição de dois conselheiros considerados impedidos pela legislação em vigor. Isso viola frontalmente a primeira diretriz da OCDE sobre governança corporativa em empresas estatais.
Como avalia a disposição do futuro governo em flexibilizar a Lei das Estatais?
Com enorme preocupação, pois segue na contramão das melhores práticas internacionais. Essa manobra não é nova no Brasil e houve até uma tentativa do atual governo de alterar a lei. Agora, talvez se valendo da força política que todo chefe do Executivo recém-eleito possui, a história se repete com mais intensidade. Isso bem demonstra que a fragilização das regras de governança previstas na Lei das Estatais não é uma bandeira de direita ou de esquerda, mas sim de políticos retrógrados que pretendem fazer das empresas estatais um espaço de acomodação de seus aliados.
Qual o impacto da remoção de marcos jurídicos que garantam o funcionamento de empresas públicas e de sociedades de economia mista?
Se as posições da alta administração forem preenchidas por apaniguados políticos sem conhecimento técnico e/ou mal intencionados, o compliance officer jamais terá espaço para exercer o seu papel. Com isso, a erva daninha da corrupção encontrará terreno fértil.
O que esperar do próximo Executivo federal já que o histórico no tema corrupção é manchado por dois escândalos (mensalão e Operação Lava Jato)?
Em verdade, a Operação Lava Jato jamais foi concebida como uma política anticorrupção definitiva dos órgãos de controle e, por isso, é natural que ela chegasse ao final em um determinado momento. O que me incomoda é perceber que as autoridades públicas brasileiras ainda insistem em um modelo repressivo de enfrentamento à corrupção, o qual, isoladamente implementado, já se mostrou completamente ineficaz.
O ingresso de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol na política ajudou a desvirtuar a operação do ponto de vista republicano?
É importante dizer que qualquer pessoa de qualquer profissão não só pode como deve participar da política, pois esse é o verdadeiro sentido do exercício da cidadania plena. O problema é que vivemos no Brasil uma violentíssima polarização política e, assim, a opção dos expoentes da Lava Jato por um dos lados, por óbvio, acabou fortalecendo a narrativa previamente existente de que a operação realmente era um movimento antiesquerda ou direcionado contra uma determinada pessoa. Isso, sem dúvida nenhuma, não apenas abalou a reputação das autoridades públicas no exterior, como também enfraqueceu, de modo geral, o movimento anticorrupção no Brasil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.