• ‘Fim da Lava Jato não encerra luta contra a corrupção’

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  • 16/03/2021 13:58
    Por Beatriz Bulla, correspondente / Estadão

    Uma das principais referências mundiais em estudo sobre corrupção, a professora emérita de Direito e Ciência Política da Universidade Yale Susan Rose-Ackerman afirmou ter se decepcionado com a Lava Jato quando soube da relação entre o então juiz Sérgio Moro e procuradores da República. Apesar disso, disse esperar que erros cometidos não atrapalhem o combate à corrupção no País. Para ela, o encerramento da Lava Jato não significa o fim de investigações sobre malfeitos.

    Susan já foi elogiada por integrantes da força-tarefa, como o procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador do grupo em Curitiba. Ao Estadão, ela disse ainda que considerou a decisão sobre as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertada, mas tardia, e que o País não pode depender da Justiça criminal para resolver a corrupção.

    Qual é o efeito das recentes decisões do STF para a Lava Jato e o combate à corrupção?

    Houve problemas com processos movidos contra Lula. Pelo que entendi, não pertenciam à Lava Jato e deveriam ter sido julgados em tribunais diferentes. A decisão soou como correta. Claro que há muitos outros casos tratados de forma perfeitamente apropriada sob o guarda-chuva da Lava Jato e é importante que eles não sejam prejudicados por essa decisão particular. Então, na minha opinião, veio um pouco tarde demais, vários anos depois, mas me parece que foi uma decisão correta.

    No livro Corruption and the Lava Jato scandal in the Latin America, a sra. e a professora Raquel de Mattos Pimenta afirmam que contar apenas com o Direito Penal para reformar a fragilidade estrutural da democracia brasileira é insuficiente. O que vê como incentivos à corrupção além do que a Justiça pode resolver?

    Se parte das razões de origem para a corrupção não são apenas pessoas sem escrúpulos, mas algo na natureza de como o Estado interage com empresas e indivíduos, então a reforma precisa ser mais do que apenas o Direito Penal. É preciso tornar o sistema de licitações menos vulnerável à corrupção. Pensar na pressão sobre os funcionários públicos para arrecadarem dinheiro para os partidos políticos. É preciso uma análise mais profunda de como diferentes setores da economia funcionam e o que cria incentivos à corrupção. Os responsáveis pela Lava Jato estavam interessados em reformas, mas a proposta deles tinha a ver com deficiências no funcionamento do sistema de Justiça criminal. Algumas faziam sentido, mas eles estavam simplesmente dizendo: ‘nossas reformas ajudarão os promotores a tocar os casos de forma mais eficaz’. Isso é bom, mas não é suficiente se houver problemas estruturais mais profundos.

    Como equilibrar as diferentes percepções sobre as instituições a partir da operação?

    São tensões. Eu fiquei muito desapontada com as coisas que surgiram sobre a relação entre o juiz (Moro) e os procuradores que certamente parecem inadequadas. É muito decepcionante. A esperança é que isso não prejudique toda a ideia de ir contra corruptos, porque há pessoas que estão realmente envolvidas em corrupção. A Lava Jato certamente estava comprometida com a redução do nível de corrupção na sociedade, mas acho que cometeu alguns erros na forma de operar. Isso é uma preocupação. A questão é: há uma maneira de a sociedade civil criticar as instituições existentes, mas também apontar como as coisas podem mudar para melhor? E é disso que eu estava falando, mais reformas estruturais nas relações entre os cidadãos e o Estado, para reduzir os incentivos à corrupção. Não deixar que erros cometidos por indivíduos lancem tantas dúvidas sobre as tentativas de resolver o problema.

    Que efeito a ida de Moro para o governo Bolsonaro teve para a imagem da operação?

    Fiquei extremamente surpresa quando isso aconteceu. A Lava Jato foi criticada por ter uma espécie de viés político. E eu pensei que isso não era verdade. Ele ter ido trabalhar para Bolsonaro foi um tanto perturbador. No mínimo, tornou mais difícil defender toda a empreitada como apartidária.

    A sra. vislumbra retrocessos no combate à corrupção?

    É uma preocupação. Ainda existe um sistema de procuradores independentes, que é uma grande vantagem do sistema brasileiro. Então, acho que há uma certa responsabilidade sobre eles, de dizerem ‘sim, houve erro no relacionamento entre Moro e alguns procuradores, mas isso não significa que o problema não esteja lá’. E eles têm obrigação de continuar com investigações, já que são independentes.

    Muito se fala sobre o fim da Lava Jato. Era uma operação que não deveria terminar?

    Não. Há um conjunto de casos nos quais Moro tinha autoridade para ser o juiz. Mas você pode encerrar a Lava Jato e ainda haverá outros casos de corrupção que nada têm a ver com isso. É claro que a Lava Jato deveria acabar e agora, na verdade, acabou. Mas isso não significa que o Brasil ou o Ministério Público pararam de investigar a corrupção, ou parem de pensar nela como um problema que precisa de reforma.

    Qual o legado da Lava Jato?

    A ideia de investigar pessoas poderosas por atividades corruptas é algo que parece que o Brasil está disposto a fazer. E desde que seja feita de forma legal e justa, é bom.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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