• Filme adota o ponto de vista de uma vítima de Alzheimer

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  • 11/04/2021 07:30
    Por Luiz Zanin Oricchio / Estadão

    Anthony (Anthony Hopkins) tem 81 anos e parece um velhinho teimoso. Hostiliza as cuidadoras de idosos providenciadas por sua filha, Anne (Olivia Colman), e parece às vezes francamente desagradável. O problema mais urgente é que Anne decidiu se mudar para Paris em companhia do marido e, por isso, não pode mais se ocupar do seu velho pai.

    A história, baseada numa peça teatral e dirigida por Florian Zeller, poderia ser mais um desses filmes sobre o envelhecimento, em que as pessoas idosas, vítimas de Alzheimer ou demência senil, já não podem cuidar de si mesmas. O que acarreta todo um drama familiar como sabe quem já passou por isso. Talvez o mais pungente – e duro – dessa série seja Amor, do alemão Michael Haneke.

    Porém, sem deixar de lado essa questão fundamental nos dias de hoje, Meu Pai toma um caminho diferente – o longa está disponível para compra nas plataformas digitais, Now, Itunes (Apple TV) e Google Play. Surpreendente, e bastante perturbador. Ao adotar o ponto de vista de Anthony, envereda por um universo que poderíamos chamar, sem exagero, de “kafkiano”. Ou seja, aquele mundo que, tido como normal e estável, de repente deixa de responder às nossas expectativas e se instala no domínio do absurdo.

    Por exemplo, assistimos a um diálogo muito razoável entre filha e pai sobre como ele irá se virar no grande apartamento que habita sozinho depois da morte da mulher. Parece apenas uma conversa entre a filha amorosa e um pai renitente, que garante não precisar da ajuda de ninguém e deseja apenas ficar sozinho e ouvir suas óperas favoritas no fone de ouvido.

    Mas, de repente, o chão parece faltar. Um homem que, para Anthony é desconhecido, lhe diz ser o verdadeiro dono do apartamento. Seria o marido de Anne e Anthony estaria apenas morando com eles de favor. E, para ser franco, atrapalhando mortalmente a vida do casal. A ponto de o suposto genro lhe perguntar, de maneira brutal, quando deixaria de perturbar a filha e a ele. Não é a única e nem a maior das brutalidades que serão praticadas contra o idoso. Mas serão mesmo? Ou tudo se passa apenas em sua cabeça, em sua fantasia? Não sabemos, e essa ignorância estimulante nos prende à história.

    Da origem teatral, Meu Pai guarda a opção pelos cenários fechados e pela locação única. Tudo – ou quase – se passa no interior do apartamento. Mas, claro, trata-se de um espaço único, não realista, mas transfigurado pela percepção do personagem, que nunca sabemos se é acurada, distorcida ou simplesmente delirante. Pode ser que Anthony perceba perfeitamente que estão tentando lhe armar alguma arapuca. Ou pode ser apenas o sentimento paranoico de que os outros lhe querem fazer mal quando desejam apenas o seu bem. Talvez esteja ficando louco, como ele mesmo teme. Como será?

    Essa situação mínima só pode ser conduzida por grandes intérpretes. Meu Pai tem Hopkins em estado de graça. Apenas com um olhar perdido podemos sentir toda a sua perturbação. E seu incômodo será também nosso, nesse milagre de transferência de sentimentos que é próprio da arte, mas exclusiva dos grandes intérpretes. Olivia também parece perfeita, embora o filme seja todo de Hopkins.

    Produção de qualidade, sólida mas nada acadêmica, Meu Pai concorre ao Oscar em seis categorias: ator com Anthony Hopkins, melhor filme, atriz coadjuvante com Olivia Colman, montagem, design de produção e roteiro adaptado. Seria um grande prêmio para Hopkins, embora Chadwick Boseman continue favorito. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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