Filho de secretário do Ministério da Saúde furou fila de vacinação
O filho do secretário de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde furou a fila da vacinação em João Pessoa (PB). Daniel Freire de Medeiros é estudante de medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e filho do atual titular da SVS, Arnaldo Correia de Medeiros. A Secretaria de Vigilância em Saúde é responsável, dentro do Ministério da Saúde, por coordenar o enfrentamento à pandemia de covid-19 e o Plano Nacional de Vacinação Contra a Covid-19.
Daniel Freire de Medeiros é aluno do 8º semestre de medicina da Universidade Federal da Paraíba. Ele recebeu a primeira dose da vacina AstraZeneca/Oxford no dia 28 de janeiro deste ano.
Procurado, disse que foi imunizado por estagiar em hospital numa ala que atende pacientes com covid. A prefeitura de João Pessoa (PB), contudo, só autorizou a vacinação de estagiários a partir do dia 5 de maio. Dos 59 colegas de turma de Daniel, apenas ele tomou a vacina em janeiro, conforme dados públicos da prefeitura e da UFPB.
Em janeiro, havia autorização apenas para vacinar os estudantes que estão em regime de internato, situação em que o filho do secretário não se encontra.
No site do Portal da Transparência da prefeitura de João Pessoa, Daniel aparece registrado como “médico”, o que ele atribui a um erro da prefeitura.
Segundo informações públicas da prefeitura de João Pessoa, Daniel foi vacinado no Hospital São Vicente de Paulo, uma instituição filantrópica e sem fins lucrativos, que atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Desde o início da vacinação, cerca de 79 mil profissionais de saúde já foram imunizados em João Pessoa, segundo o site da prefeitura. Quando Daniel tomou a primeira dose, eram apenas 14,7 mil – o que significa que o filho do secretário esteve entre os 18,5% primeiros a serem imunizados. Ao todo, 3,7 mil médicos receberam a vacina em João Pessoa depois de Daniel. O estudante tem 21 anos de idade.
Ao Estadão, a Prefeitura de João Pessoa disse que iniciou apenas no dia 05 de maio a vacinação contra a covid-19 dos “estagiários de saúde (incluindo medicina), no último ano de faculdade, que atuam em hospitais, unidades de pronto atendimento (UPA) e serviços de Atenção Básica”.
O pai do estudante, Arnaldo Correia de Medeiros, é farmacêutico de formação e professor universitário da UFPB. Ele chegou ao posto de titular da SVS ainda em junho de 2020, na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello. O nome dele foi indicado pelo líder do Partido Liberal (PL) na Câmara, o deputado paraibano Wellington Roberto. À época, a indicação foi vista como uma vitória política do “Centrão” na disputa por espaço no Ministério da Saúde.
Dentro do Ministério da Saúde, uma das atribuições de Medeiros é justamente acompanhar e coordenar a compra de vacinas para a Covid-19. Em abril, o secretário participou de uma audiência pública no Senado Federal para debater a compra de vacinas privadas, por exemplo.
Procurado pela reportagem, Daniel disse de início que outros estudantes de medicina já estavam sendo vacinados em João Pessoa em janeiro, assim como ele. Estes porém são alunos que já estão no internato, o que ainda não é o caso dele.
O filho do secretário disse também que faz um estágio voluntário, não remunerado, no Hospital São Vicente de Paulo, o que o expõe ao contato com o vírus e justificaria sua prioridade na vacinação. Suas atividades no hospital incluem o trato de pacientes com Covid, o que demandaria que ele fosse vacinado – o que todavia aconteceu antes para ele que para seus colegas que também fazem estágio.
Segundo pessoas que acompanharam o caso, a vacinação precoce veio a público graças ao próprio Daniel, que comentou com colegas do curso de medicina o fato de já ter sido imunizado. Em maio, a Faculdade de Medicina encaminhou à Secretaria de Saúde do município a relação dos alunos que estavam aptos a serem vacinados segundo as regras – inclusive Daniel. Dos 59 alunos da turma dele, cerca da metade já foi imunizada, todos em maio. Daniel foi o único a se vacinar em janeiro, segundo o Portal da Transparência.
Diretor do hospital, o médico George Guedes Pereira disse que Daniel “acompanha e auxilia em cirurgias, e também atende pacientes com covid, de tal forma que foi oferecida a ele a cobertura vacinal”. O diretor também disse que poucos estagiários voluntários como Daniel se dispuseram a continuar no trabalho depois do início da pandemia.
“Os que estavam em estágio e que solicitaram (a vacinação) foram sim (vacinados)”, disse ele, sem dizer qual o número de pessoas que foram vacinadas na mesma situação do filho do secretário. Ao fim da conversa, o diretor disse que o Estadão era “um lixo”, “uma porcaria” e que seus jornalistas eram “doutrinadores de esquerda”.
Questionado, o Ministério da Saúde não comentou o caso específico de Daniel. Disse apenas que “a seleção de grupos prioritários para a vacinação, estabelecidos pelo Plano Nacional de Operacionalização da Vacina (PNO) contra a covid-19, segue critérios pactuados e considera a vulnerabilidade para as formas mais graves da doença”. A pasta também informou que acadêmicos de medicina e estagiários estão contemplados desde a 1ª fase do PNO.