• Ficção e poesia em ‘Há Dias Que Não Tem Fim’

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  • 25/09/2021 08:30
    Por Leandro Nunes, especial para o Estadão / Estadão

    Ferramentas tecnológicas, criatividade sem limites e uma nova relação com o público. Após a pandemia, a criação teatral já não é mais a mesma. A tela que hoje serve de moldura para espetáculos na internet não deve se despedir tão cedo. Por outro lado, o ambiente virtual mostrou que o destino do teatro sempre foi “furar a bolha”, com novas possibilidades de cenário.

    O coletivo ultraVioleta_s abriu na sexta-feira, 24, uma mostra de repertório com peça-game, lançamento de websérie e versão “desmontada” de Há Dias Que Não Morro, sua última peça presencial, no canal do Sesc no YouTube.

    Prestes a completar 15 anos, o coletivo segue em reinvenção desde a montagem Adeus Palhaços Mortos, quando o grupo deixou de ser chamado Academia de Palhaços e adotou a formação ultraVioleta_s. Na peça, um trio de palhaços velhos brigava pela única vaga de emprego disponível, dentro de um cenário em forma de cubo, repleto de cores e sons estridentes. Uma fábula cruel sobre a “vida útil” de quem faz arte, afirma a atriz Laíza Dantas. “Para muitos artistas, não ser visto é não ser lembrado e a pandemia mostrou que isso é muito sério.”

    Em 2019, a nova formação do coletivo estreou a peça Há Dias Que Não Morro e o cubo multicolorido prosseguiu como cenário. Dessa vez, com cores suaves e tendo o elemento da repetição como um sinal de pesadelo para as personagens, quase uma previsão do primeiro ano da pandemia no Brasil. “A gente se viu nesse dia da marmota e, diante de tantas coisas normalizadas, o artista vai perdendo o viço”, acredita Laíza.

    A releitura, em um estilo desmontagem, ganhou o nome Há Dias Que Não Tem Fim. “É um olhar sobre o nosso próprio bastidor”, aponta Aline Olmos, atriz e integrante do coletivo. “Juntamos também um pouco de ficção e da poesia que restou fora do palco.”

    Gravado a bordo de uma Kombi, o filme apresentado no espetáculo mostra a dupla deixando o Teatro Oficina, na região da Bela Vista, em um passeio pelo trânsito caótico de São Paulo. Na releitura, o veículo é interceptado por placas que falam, grafites nada misteriosos e um palhaço que distribui panfletos sinceros.

    O destino do coletivo e do cenário-cubo é a Serra da Mantiqueira, bem na viração do dia. “Montamos o cubo na relva e acompanhamos o anoitecer. O sol virou o nosso refletor, gerando dégradés e a natureza ocupa o espaço da instalação”, explica Laíza.

    As variadas cores que preenchem o filme também estão nas outras criações. Desde que o coletivo lançou em 2020 o game Ôma, um ex-petáculo – uma mistura de performance, teatro e videogame -, o jeito de tocar uma criação mudou e embaralhou seus começos e fins. Com cenas reais e inspiração em mangá, o projeto mistura performance com a jogatina de um RPG controlado pelo público. Em poucas palavras: o espectador escolhe uma das personagens para guiar em um cenário mágico, mas nem sempre. “Ôma trouxe uma novidade para nós”, reconhece Laíza. Os estudos de designer, 3D e animação, iniciados pela atriz durante a criação da obra, continuam. “A gente começou a acessar pessoas fora da bolha. Durante a pandemia, participamos de encontros com profissionais da criação de games e isso é muito legal para quem vem do palco”, conta. Aline acrescenta que as novas ferramentas ampliaram o campo das ideias. “O teatro tem suas limitações e agora podemos fazer chover dentro de casa, se precisar. A criatividade ficou menos restrita.” Ôma está disponível a partir do dia 9 e para jogar é preciso acessar o convite no site do Corpo Rastreado.

    E, enquanto o teatro do futuro não chega, o elemento público é um grande enigma. Hoje, as incursões artísticas virtuais alcançam qualquer pedaço do mundo conectado à internet. Mas a criação híbrida terá um público híbrido? Laíza acredita que seja o próximo passo. “Os campos estão se expandindo e a conexão com o público faz parte dessa transformação.”

    Além da programação de repertório, o coletivo também estreia a websérie A Prima da Vera, no dia 1º de outubro, no perfil do coletivo no Instagram. Com 28 episódios, os vídeos curtos de animação e stop motion narram a fabulosa história de uma planta agraciada com o poder místico de ler o futuro das mulheres com base nas evidências secretas deixadas em suas roupas íntimas. A ideia de uma divertida leitura mágica surgiu durante a passagem do coletivo por festivais na Turquia, em 2019. “As formas da borra de café são essenciais para a interpretação”, lembra Aline. “Na websérie, brincamos com isso para falar sobre a necessidade de as mulheres ouvirem o próprio corpo. Temos um oráculo em nós.”

    Além da comicidade do palhaço, que anima as personagens da websérie, devem brotar reflexões sobre o que é invisível, como sugere o próprio nome do coletivo, aponta Laíza. “São raios invisíveis, mas eles estão lá.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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