• FGV terá indicadores para medir riscos de corrupção em empresas de saúde

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  • 08/jun 10:55
    Por Shagaly Ferreira / Estadão

    Pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) estão desenvolvendo indicadores para identificar e mapear a percepção de riscos de corrupção em empresas públicas e privadas do setor da saúde no Brasil. A primeira fase do projeto Índice de Percepção da Corrupção no Setor da Saúde consiste em uma pesquisa, com previsão de um ano para a conclusão.

    Lançada em janeiro deste ano, a iniciativa está diretamente ligada ao Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da FGV (FGVethics) e tem parceria com o Instituto Ética Saúde (IES).

    A FGV já é conhecida por criar e gerir indicadores nacionais como o Índice de Preço ao Consumidor (IPC), utilizado na aferição inflacionária. Com o êxito na elaboração das métricas relacionadas à saúde, a intenção é que a medida ganhe relevância semelhante e possa ser posteriormente usada por autarquias reguladoras do setor, como o Ministério da Saúde, Controladoria Geral da União e secretarias estaduais de saúde, afirma a coordenadora do FGVethics, Ligia Maura Costa.

    Segundo a especialista, nesta fase inicial, o grupo de pesquisadores está trabalhando em uma coleta de dados que dará base a uma pesquisa qualitativa e quantitativa, que será implementada nas fases 2 e 3 do projeto. O questionário será disponibilizado via internet e terá como foco stakeholders (partes interessadas) que atuam na linha de frente do setor de saúde.

    Além de médicos, enfermeiros, pacientes e usuários finais de planos de saúde, a pesquisa irá coletar e analisar respostas de representantes de outros departamentos em hospitais, fábricas e distribuidoras para entender a percepção de riscos de corrupção relacionados a profissionais da saúde nas empresas em que atuam.

    “O objetivo da pesquisa é compor um indicador de percepção da corrupção”, explica Ligia. “O indicador não irá ranquear as empresas, como faz a Transparência Internacional, ou dizer qual delas é mais ou qual é menos corrupta. A meta é criar indicadores para que as decisões estratégicas dos stakeholders de linha de frente sejam melhoradas”, complementa.

    Riscos de corrupção

    Para identificar e mapear a percepção de riscos de corrupção, o questionário contará com cerca de 40 perguntas, explica o diretor-executivo do IES, Carlos Eduardo Gouvêa, parceiro na pesquisa. Entre os temas abordados nas questões estão não só aspectos relacionados ao potencial de desvio de verbas como também ao favorecimento antiético de atendimento médico a familiares e amigos de funcionários.

    “Vamos ter a avaliação de vários parâmetros: se existe ou não, por exemplo, a ideia da propina para indicação de uma determinada terapia, medicamento ou produto para saúde; se os critérios para uma determinada compra ou contratação são objetivos; se há ou não programa de integridade; se há um canal de denúncias adequado”, exemplifica o gestor.

    A elaboração do indicador e a divulgação do diagnóstico ocorrerão na fase final do projeto, com base nos resultados obtidos. A ideia é que, com o tempo, possa ser construído um mapeamento que avalie se, a partir dos riscos identificados, houve ou não intervenções e melhorias nas vulnerabilidades de cada segmento da saúde.

    “Teremos o mesmo tipo de pergunta de forma repetida anualmente. Então, vão valer os mesmos parâmetros ao longo dos anos, e isso vai poder nos indicar se houve ou não uma melhoria naquele setor, a partir da percepção de atores legítimos da linha de frente.”

    No final, a disponibilização dos indicadores, na avaliação de Gouvêa, ajudará a dimensionar de forma mais concreta as ações de corrupção e subsidiar iniciativas de mitigação mais efetivas de entidades e empresas. “A corrupção é uma coisa muito etérea, difícil de codificar e de ter uma percepção adequada. Há várias correntes acadêmicas, mas é tudo muito teórico. Fica difícil avançar com determinadas propostas e ações sem ter um tipo de instrumento que meça (a corrupção).”

    Apoio e cautela

    A pesquisa recebeu a chancela de algumas associações do setor, que estão patrocinando o trabalho. Compõem a lista a Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (Abiis), a Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed), a Advanced Medical Technology Association (AdvaMed), a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboral (CBDL) e a Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi).

    Os formatos do apoio não foram divulgados pela FGVethics, alegando necessidade de confidencialidade. No entanto, ao Estadão, o presidente-executivo da Abimed, Fernando Silveira Filho, informou que a entidade está apoiando o projeto tanto na prática quanto financeiramente. Segundo ele, o patrocínio segue a sequência de ações da associação no aprimoramento ético da saúde. “O tema está entre as prioridades da Abimed, que tem a ética e o compliance como ações preponderantes na sua atuação”, explica.

    Já empresas atuantes no mercado brasileiro ouvidas pelo Estadão se dividiram quanto aos pontos positivos e negativos da criação dos indicadores. As companhias mostraram entusiasmo com a iniciativa, mas fizeram ponderações.

    A diretora de Ética, Riscos e Compliance da Farmacêutica Novartis no Brasil, Carolina Cherulli, diz que o combate à corrupção é um tema extremamente importante em todos os setores da economia, e mais ainda na saúde, mas acrescenta que, no Brasil, o setor já é “bastante regulado”, principalmente no que diz respeito à indústria farmacêutica.

    “Além das normas do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a Novartis também segue o Código de Ética e Conduta da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), além do nosso Código de Ética e Conduta Global.”

    Sobre as regulações éticas já existentes no setor, a diretora-executiva de Estratégia, Inovação e ESG do Grupo Fleury, Andrea Bocabello, tem avaliação semelhante. A companhia de medicina diagnóstica tem capital aberto desde 2009 e, segundo a gestora, já adota mecanismos de controle ético antes disso. Ela teme que tanto o processo de coleta quanto a utilização dos dados possam se tornar meramente burocráticos.

    “Esse tipo de índice gera um trabalho interno operacional porque é preciso dedicar recursos humanos e tempo estratégico da empresa para as respostas. Isso gera burocracia, e a gente tem bastante burocracia no Brasil. Então, precisamos pensar em um jeito de que cada medida lançada seja muito prática”, comenta. “Além disso, pode ser ruim fazer uma análise numérica de um elemento como o comportamento, porque, no fim, é uma discussão sobre comportamento de pessoas. Quando você faz uma análise assim, ela pode ser muito fria e parcial.”

    No entanto, na avaliação de Andrea, havendo um equilíbrio entre praticidade na pesquisa e uma análise aprofundada dos resultados, a iniciativa poderá ser benéfica. “A saúde é um setor que tem muita discussão (sobre ética) e precisa de um direcionamento. No Brasil, é um setor muito desenvolvido do ponto de vista de tecnologia e ciência, mas em termos de profissionalização é um mercado bem menos maduro. Ter um índice de medidas de evolução da temperatura de ética seria muito interessante.”

    Carolina Cherulli, da Novartis, segue uma observação parecida. “Uma métrica estabelecida a partir de critérios técnicos, com o apoio de especialistas do setor, só tem a contribuir com o ecossistema de saúde, já que serve como base para a constante renovação de medidas de integridade e compliance. (Elas) protegem e garantem o direito dos pacientes a um serviço de qualidade, dentro de suas necessidades”, comenta a executiva.

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