Festival de Curitiba começa com uma grande aposta na representatividade
Quando o espetáculo Hamlet, da companhia peruana Teatro La Plaza, abrir para o público o Festival de Curitiba nesta terça, 28, será dado o tom da 31ª edição da maior mostra de artes cênicas do País. A montagem, dirigida por Chela De Ferrari, que terá sessão única no Teatro Guaíra, faz uma livre adaptação da obra de Shakespeare com atores com síndrome de Down. O questionamento do príncipe da Dinamarca – “ser ou não ser” – pode ser aplicado a, entre outras reflexões, como seria um mundo em que todos tivessem as mesmas oportunidades. “O objetivo é fazer um festival para todos, todos os artistas e todos os públicos”, explica Fabíula Passini, uma das diretoras do evento.
Entre hoje e 9 de abril, mais de 300 espetáculos serão vistos em 60 espaços da cidade, movimentando quase 1.800 artistas. Grande parte desta grade foi selecionada por três curadores, a pesquisadora Daniele Sampaio, a atriz e produtora Giovana Soar e o crítico Patrick Pessoa, que buscaram valorizar a representatividade. Temáticas sociais, inclusivas e identitárias permeiam as atrações e, mesmo nas peças de maior apelo comercial, o conceito é facilmente identificado.
Última direção de Jô Soares (1938-2022), o thriller Gaslight – Uma Relação Tóxica enfoca um casal (os atores Giovani Tozi e Erica Montanheiro) enredado no abuso psicológico. A comédia Intimidade Indecente, com Marcos Caruso e Eliane Giardini, traz um homem e uma mulher que, com o avanço das décadas, se confrontam com o etarismo. Até os bailarinos do Grupo Corpo tratam das interdições do mundo pandêmico e da violência nas coreografias Primavera e Breu.
A atriz Vera Holtz deve surpreender com o solo Ficções, em que questiona as mazelas do mundo contemporâneo. E, se é para ter musical, uma das escolhas recaiu sobre O Bem-Amado, versão do clássico político de Dias Gomes, com Cassio Scapin à frente do elenco e canções de Zeca Baleiro. Uma atração estrangeira capaz de gerar expectativa é Square, da companhia holandesa Wunderbaum, que busca ressignificar as áreas públicas e poderá ser vista na Praça Santos Andrade.
Outro musical é Brenda Lee e o Palácio das Princesas, protagonizado por Verónica Valenttino, a primeira atriz trans a vencer o Prêmio Shell, que trata do preconceito aos pessoas soropositivas. Quem também levou o Shell foi a dramaturga Dione Carlos por Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos, peça sobre a opressão contra as mulheres. Entre as estreias nacionais aparecem O Tempo e a Sala, que marca o reencontro de vários atores paranaenses como Simone Spoladore, Leandro Daniel, Rodrigo Ferrarini e Ranieri Gonzales. A atriz Nena Inoue também lança o solo Sobrevivente, que investiga suas origens étnicas e o apagamento das mulheres de sua família.
DESAFIOS
Giovana Soar reconhece que Curitiba é considerada uma cidade conservadora e afirma que a programação pretende realmente desafiar um público menos aberto às novidades. “Não queremos que ninguém vá embora no meio de um espetáculo, a nossa intenção é agregar, mas achamos pertinentes mostrar diferentes manifestações até como forma de provocar o público”, justifica.
Fabíula Passini ressalta que não existe qualquer intenção de deixar o espectador tradicional na mão, pelo contrário, o objetivo é ampliar o alcance dos temas escolhidos. Tanto que o pensamento não fica restrito a Curitiba. O festival busca dialogar com outras mostras e, por isso, convidou este ano 28 produtores e curadores de vários Estados que poderão descobrir talentos. “Tem muita gente que vem pela primeira vez ao festival, como o Quatroloscinco (MG), a Cia. Dos à Deux (RJ), e o Grupo Carmin (RN), e nosso papel é incentivar a circulação”, diz Fabíula.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.