Feliz 1958
Ser muito idoso não me dá o direito de ser ranzinza além da conta certa, limite ao qual temo já ter chegado. Concedo, pois, um recesso aos nossos caros dois Poderes municipais, esperando que dele façam bom uso para a reversão das expectativas que Petrópolis aguarda há tanto tempo ansiosamente. E em vão.
Caiu-me nas mãos um livro apaixonante, que folheio devagar dada a visão deficiente. Tem por título “Feliz 1958”, por coincidência ano de meu casamento e que se seguia ao regresso definitivo da França após a Faculdade e o serviço militar.
A obra é de autoria de Joaquim Ferreira dos Santos, tem por subtítulo “O ano que não devia terminar”, foi editado pela Record em 97, e traz na capa três lambrettas que criam o clima logo de saída. Se alguém se interessar, a Estante Virtual está aí mesmo.
Entre montanhas de informações outras, Joaquim lembra que o dólar equivalia a 85 cruzeiros da época. Sem pretender à qualquer precisão nos cálculos, e admitindo que um dólar vale hoje por volta de 4 reais, concluo que um real corresponderia a cerca de 20 cruzeiros de 1958; o mais ou menos é aceitável? As coisas ficam divertidas, pois o autor cita os custos de alguns serviços e produtos de então, e nos permite compará-los com a nossa realidade de 2018. Vamos lá, a rir ou chorar um pouco?
O salário mínimo era de Cr$ 3.800,00. Ou R$ 190,00. Didi ganhava Cr$ 70.000,00 no Botafogo, sejam R$ 3.500,00, o que tornava a folha seca um feito muito mais barato que uma pedalada atual. Uma Brahma custava Cr$ 15,00, algo como 75 centavos a garrafa, pois as latinhas ainda não eram opção, para tristeza não-sabida dos catadores dos anos 50. Um cinema custava 18 cruzeiros, ou 90 centavos (e que cinemas!). A passagem de bonde, os maravilhosos bondes do Rio, custava 2 cruzeiros, ou dez centavos de real (é o progresso, Amigos). Um quilo de carne custava 68 cruzeiros, ou seja 3,40 reais. Fazer a barba custava 15 cruzeiros, 75 centavos de real. Um salário mínimo de então valia 1900 passagens de bonde, o de hoje garante 223 embarques em ônibus.
Vivia-se melhor ou pior, naquelas alturas? Não posso responder, por uma razão muito simples: em 1958, eu tinha 26 anos, quando se enxerga o mundo por um prisma diferente daquele fornecido aos octogenários. Compare quem puder se considerar isento, historiadores por exemplo. Eu amo as lembranças do Rio da época; das janelas do apartamento de fundos da Visconde de Pirajá onde morávamos, descortinava-se todo o casario de Ipanema – pois eram telhados de casas térreas ou sobrados – mais a a praia e o mar. Dava para saber, antes de sair de casa, se a praia estava boa; cheia demais nunca acntecia. Tomava-se sorvete no Moraes, e comia-se chucrute com salsichas no Zeppelin. Ipanema era um bairro pacato, onde era difícil ir até a padaria sem encontrar algum conhecido. Algo mais parecido com o Valparaíso de hoje do que com a atual Ipanema; o Valparaíso ganha no quesito maresia, e perde para Ipanema no que se refere à praia.
Mais uma vez, cabe citar Chico Buarque: quem não viu, não pode mais ver para crer. Mas “Feliz 1958” dá uma boa idéia daqueles tempos, que valem a visita ou revisita.