• Felipe Neto defende a aproximação dos clássicos em fase mais adulta

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  • 14/03/2021 07:35
    Por Ubiratan Brasil / Estadão

    Em janeiro, o influencer digital e youtuber Felipe Neto usou o twitter para tocar em um assunto delicado: a obrigatoriedade de obras clássicas da literatura brasileira nos conteúdos escolares. “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis não são para adolescentes! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco”, escreveu ele, aumentando a fervura de um caldo em eterna ebulição.

    Após receber críticas, Felipe rebateu: “O fato de você ser, ou ter sido, um adolescente fora da curva que ama romantismo e realismo brasileiro não significa nada perto do mar de jovens odiando livros por aí. E um dos motivos é justamente a forma como a maioria das escolas aplica a literatura como matéria”.

    Aos 33 anos, Felipe sempre manteve uma relação de amor e estranhamento com a literatura, desde a descoberta apaixonada pela escrita com a saga Harry Potter, quando ainda um menino, até as diversas fases de ódio e amor pela obra de Machado de Assis. “Eu tinha 11 anos quando li Harry Potter pela primeira vez, exatamente a mesma idade do protagonista”, recorda-se. “Isso fez com que minha imersão na fantasia fosse completa. A saga me mostrou que era possível sentir um prazer e uma felicidade lendo livros que eu não conseguia encontrar em nenhum outro tipo de entretenimento.”

    A trajetória do bruxinho despertou nele o gosto pela literatura, especialmente por livros de fantasia e aventura. O caminho logo trouxe progressos, com o apreço por autores russos até chegar ao checo Franz Kafka, hoje um de seus preferidos. “A literatura russa é realmente inacreditável. Dostoievski e Tolstoi mexeram muito comigo”, conta. “Mas realmente Kafka é único: A Metamorfose e O Processo são livros profundamente transformadores. Ele consegue, com uma escrita incrivelmente fácil de ler (embora caótica e profunda, ou, como o termo foi cunhado, ‘kafkiana’), te prender até o fim e te fazer questionar coisas que você nunca tinha pensado em questionar antes.”

    Obstáculos, porém, surgiram quando foi obrigado na escola a conhecer Machado de Assis, situação vivida por diversos jovens – e que inspirou seu comentário sobre o ensino de literatura. “Quando descobri Machado de Assis, odiei. Fui forçado, aos 14 anos, a ler Dom Casmurro para fazer uma prova na escola. Não entendia direito, era cheio de palavras que eu não sabia o que significavam. Lembro de ter me forçado a ler e ter ficado traumatizado com literatura brasileira”, explica. “Somente aos 20 anos, fui ler novamente e achei muito bom. Ainda assim, só fui enxergar a genialidade de Machado aos 33 anos, quando decidi ler pela terceira vez e emendei com O Alienista e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Machado é um dos melhores escritores de todos os tempos e o que mais fascina, para mim, é sua narrativa fluida, seu humor irônico e a forma como ele cria personagens incrivelmente complexos, ao ponto de não sabermos quem é herói e quem é vilão, ou se sequer isso existe.”

    O tortuoso aprendizado fez com que Felipe sedimentasse o pensamento revelado naquele tuíte a respeito da forma com que se desperta nos jovens a paixão pela literatura. Pare ele, a saída da infância e a entrada na adolescência é o momento mais importante na formação de um leitor. “As obras que a escola decide ‘ensinar’ para os jovens nessa idade precisam ser escolhidas com muito cuidado, visando o despertar da paixão pela literatura. A obrigação de uma obra não própria para determinada idade pode gerar o efeito contrário, a rejeição. E isso acontece em todas as disciplinas, diga-se de passagem. Eu levei mais de 10 anos após a formação escolar para descobrir que a física teórica era um assunto interessante e que existiam livros fascinantes sobre o assunto.”

    E a tecnologia pode ser uma ferramenta útil nessa aproximação. Apesar da preferência por livros em papel, Felipe usa aparelhos eletrônicos como auxiliares. “É natural que você se perca no meio de um livro do Dostoievski, porque são muitos personagens com nomes difíceis. Então, o que faço é criar um miniglossário no meu bloco de notas do celular, com o nome do personagem e o que ele faz”, conta. “Além disso, ter o celular do lado para pesquisar determinado termo ou também ajudar a lembrar algo sobre páginas anteriores é fundamental. Tudo isso torna os livros mais fáceis de ler, principalmente os clássicos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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