Febre amarela: epidemia do medo
“Um beduíno saiu de sua vila para atravessar o deserto e ir ao mercado. Na metade do caminho cruzou com a morte que estava indo para a vila. Perguntou então à morte: o que vai fazer na minha vila? A morte respondeu que tinha a missão de buscar 3.000 pessoas. O beduíno apavorado tentou fazer a morte mudar os planos, mas não teve jeito, a morte seguiu. Quando voltava do mercado novamente encontrou a morte no deserto e perguntou: trouxe os 3.000? A morte respondeu: Não, trouxe 20.000. O beduíno ficou indignado e questionou a morte. A morte respondeu que na verdade ela foi buscar 3.000, mas 17.000 morreram de medo.” – Conto Árabe
Prometi a mim mesmo que não mais escreveria artigos sobre posicionamentos diferentes a respeito de doenças, mas todos os dias as pessoas têm me perguntado o que penso sobre a febre amarela. O Conto Árabe por si só já responde, mas vou desenvolver alguma coisa.
Dengue, Zyka, Chicungunya e agora Febre Amarela e malária. Sem entrar nas questões sociais, filosóficas, políticas, geopolíticas e econômicas que envolvem tudo isso, vou me ater somente às doenças do mosquito.
Você conhece alguém que já teve febre amarela? Eu não. Pra dizer a verdade eu nunca vi ninguém com febre amarela em trinta anos de medicina com passagens por regiões pobres do norte e nordeste brasileiros, África e Índia. Vi sim, muita pobreza, muita fome, muita miséria humana. Alíás, a cada dia tenho visto mais e mais em todos os lugares.
A pergunta é “vacinar ou não vacinar”, ou a pergunta deveria ser, “porque o desespero”? Atravessamos epidemias de dengue, esta sim mais preocupante, muito mais grave e real sem esse desespero todo! Estamos atravessando um derramamento de carne contaminada, sabe-se lá com o que de verdade, e continuamos vivos! Uma coisa não justifica a outra, mas eu diria que é mais provável um avião cair na sua cabeça do que ter febre amarela.
O problema é que, pior do que a contaminação pelo vírus da febre amarela, é a contaminação com a desinformação, ou pior ainda, a contaminação com a informação distorcida da realidade científica. No Brasil vale o que “todo mundo tá dizendo”.
Acho que as autoridades sanitárias brasileiras são sérias e estão agindo corretamente e cautelosamente, mas as “notícias” das “autoridades midiáticas” estas sim, verdadeiras pragas, são como um estouro de uma boiada e ninguém para, ou seja tem que vacinar todo mundo, mesmo que o bom senso e a lucidez mostrem razões diferentes.
Enfim, o medo tomou conta e aí não tem mais jeito. Encerro com uma frase de minha mestra a Dra. Nise da Silveira: “A contaminação psíquica é pior que piolho. Vai passando de cabeça a cabeça numa velocidade incrível. E como você sabe, todo mundo já pegou piolho”.