• Favela

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  • 24/01/2017 12:00

    Você atravessa a pinguela por cima do riacho murmurante que viu os imigrantes

    alemães povoarem esta cidade. Talvez não seja a mesma pinguela mas é igual à que eles lançaram por sobre um límpido curso d`água, para ter acesso a suas terras.

    Há duas casas antigas, e você entre elas, por um caminho estreito, ladeado de muros altos.

    Depois, virando à esquerda, vê um ferro-velho e, logo em seguida, a favela.

    Você se surpreende: aqui? De fato da rua ninguém imagina, mas a favela está ali, pequena

    é verdade, mas com todas as características do problema social – pobreza, promiscuidade, ignorância, falta de um mínimo de conforto, de instalações sanitárias, de água corrente, de condições primárias de higiene, enfim. As casas são de barro, remendadas de folhas de lata e cobertas algumas de telhas, outras de que Deus for servido. Portas e janelas de todos o tamanho. Cômodos pequenos, muitas vezes cozinha, quarto e privada juntos. No alto dominando o conjunto indispensável e soberana o símbolo de nossa era: a antena de televisão

    E é aí que você tem a medida do alcance e da responsabilidade dos que manejam esse instrumento de expansão de ideias. Se a classe média – alta, que dispõe – ou deveria dispor – de recursos culturais para assistir e selecionar criticamente os programas e aceitar ou rejeitar criticamente a propaganda comercial, essa classe ainda sofre, e como, o impacto violento do consumismo embrulhado em cores, o que dizer da mentalidade crédula, ingenuamente receptiva do analfabeto ou analfabeto funcional? Que, sistematicamente, o único sinal que ele recebe para codificação de sua opinião, gosto ideal de vida é emitido por aquela máquina, que assim se torna menos dirigido ao interesse comercial e mais à boa formação de quem dela faz uso.

    Isso tudo você pensa, alarmada, seu coração, vendo as antenas de televisão sobressaindo altas dos casebres de barro. Justo aí seu coração se enternece ao tomar parte na ingênua festa de aniversário no terreno, com um toldo de bambu verdinho cobrindo a mesa de doces, cantigas de antigamente, legado

    Cultura do nosso passado, nota que elas estão usando botinhas que sobem acima do joelho

    E, ao invés de as darem as mãos, gingas de acordo com o modelo imposto pelo programa semanal do Faustão. E a pobre moça, que carrega latas d´água para as necessidades domésticas, branca de anemia, junta seus parcos dinheirinho e da entrada num sapato igual ao da heroína da novela da TV Globo, numa meia, num vestido, no perfume que fará parte do mundo maravilhoso …

    Você dá as costas e sai correndo. 

    Essa é a nossa triste realidade.

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